“O Brasil está triste”, diz líder espiritual dos kaiowas sobre pandemia
Floriza de Souza e cacique Jorge fizeram cerimônia tradicional para receber vista
Mesmo com o enfraquecimento da cultura tradicional dos guaranis-kaiowas, principalmente pela proximidade com os “brancos” e também pela chegada de outras religiões nas aldeias, os rezadores ainda são entidades muito respeitadas nas comunidades indígenas.
Na Aldeia Jaguapiru, onde vivem pelo menos 13 mil dos 18 mil habitantes da Reserva de Dourados (de 5 mil a 6 mil vivem na Bororó), a rezadeira Floriza de Souza e o cacique Jorge são vozes quase isoladas em defesa da cultura tradicional.
“Até meu filho é evangélico”, diz Floriza, que faz questão de reafirmar viver em paz com o filho apesar dos caminhos religiosos diferentes que os dois seguem atualmente.
Para Floriza e Jorge, a cura da doença que já matou quase 400 mil pessoas no Brasil está nos remédios indígenas. “O Brasil está triste. Temos de nos unir, nós índios e vocês [brancos]”, disse a rezadeira.
Na semana passada, Floriza e Jorge colocaram trajes tradicionais, cantaram e rezaram para receber o repórter do Campo Grande News e o capitão da aldeia, Izael Morales.
Só depois da cerimônia, ambos puderam acompanhar os rezadores até o interior da casa de reza de chão batido e coberta com capim sapé. Antes da pandemia, o local costumava ficar lotado por aqueles que ainda seguem a fé tradicional do povo guarani.
“Eu sou da floresta, meu nome significa ‘flor que brilha’.Quando eu tinha dez anos, tinha muito mato, tinha muito remédio. As florestas são como o sangue correndo em nossas veias. Quando foram derrubadas, tudo secou”, diz a rezadeira.
O cacique Jorge, que no dia em que a reportagem esteve em sua casa começava a construir sozinho uma casa de madeira e sapé para abrigar um museu de seu povo, também culpa o desmatamento pelas doenças que afetam o povo. “Veja quanta gente morreu no Amazonas, porque cortaram as árvores”.
Veja o vídeo com a cerimônia para receber as visitas e a entrevista de Floriza e Jorge:
Floriza de Souza e o cacique Jorge lamentam não poder reunir os parentes e vizinhos para rezar e para comemorar o Dia do Índio nesta segunda-feira. “Agora não pode mais chegar perto nem para rezar, tem que ficar longe”, disse o cacique.
A rezadeira kaiowa ainda mantinha esperança de conseguir doações de pelo menos alguns doces para distribuir para as crianças. “No tempo passado, toda nossa gente se unia, se abraçava, cantava e rezava. Agora não podemos por causa dessa pandemia”, disse Floriza.