Vereadora que denunciou colegas presos tem medo de ser assassinada
Milca Gandine disse que todos os dias recebe ameaças; “falam até que vão cortar meus seios”; nesta semana a Câmara de Jateí instaurou processo de cassação contra ela
Em entrevista exclusiva ao Campo Grande News, Milca Gandine, 45, servidora concursada da rede estadual de ensino e vereadora do município de Jateí, a 292 km Campo Grande, disse que tem medo de ser assassinada por denunciar colegas de Legislativo, presos em dezembro do ano passado pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado).
“Sofro ameaças quase todos os dias pelo telefone. Tudo está nas escutas telefônicas. Falam que vão cortar meus seios, minha genitália e eu estou me sentindo acuada, com medo”, afirmou Milca, quinta-feira (3) em Campo Grande, três dias após a Câmara de Jateí abrir um processo de cassação contra ela por acúmulo de cargos públicos. Milca afirma que o processo é uma retaliação por ela ter denunciado os colegas.
“Quero que a Justiça não me abandone porque quero realizar o meu trabalho e vou continuar na luta. Mas está sendo muito difícil e acredito que corro risco até de ser morta”, afirmou a vereadora, que também é diretora de uma escola estadual no distrito de Nova Esperança, onde mora.
Prisões e rojões – O caso envolvendo os vereadores de Jateí, cidade de 3.900 habitantes, localizada na região de Fátima do Sul, começou no dia 11 de dezembro de 2015, quando três foram presos pelo Gaeco acusados de cooptar testemunhas para encobrir irregularidades sobre a dupla função pública exercida pelos envolvidos.
Após a prisão temporária de cinco dias, os vereadores ganharam liberdade, mas por determinação da Justiça foram afastados da Câmara o presidente Francisco Alves de Araújo (PT), o “Tiquinho”, José Pereira da Silva (PMDB), Rose Monica Duck Ramos (PSL), Maria Aparecida Neres Leite (PR) e Jeovani Vieira dos Santos (PSD). Araújo e as duas vereadoras chegaram a ser presos e os outros dois apenas interrogados.
Nesta semana o desembargador Romero Osme Dias Lopes, do TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul), deferiu o pedido de liminar impetrado pela defesa e suspendeu o afastamento.
“Quando eles voltaram para os cargos soltaram fogos na cidade, fizeram a maior arruaça. Estou sendo pressionada e com isso fizeram essa denúncia dizendo que cassarão meu mandato porque sou diretora e vereadora”, afirmou Milca.
Sem transparência – A vereadora afirma que a denúncia contra ela ao Conselho de Educação pelo suposto acúmulo de cargo público – motivo que levou à abertura de processo de cassação de seu mandato – foi uma retaliação, por tentar fiscalizar tanto a Câmara quanto a prefeitura de Jateí.
“Tudo dentro da Câmara é muito encoberto, não tinha transparência. E quando solicitava o balanço para o prefeito ou à própria Câmara, também era encoberto. Não conseguia atuar como vereadora, ser fiscal. Como sou diretora de uma escola estadual, comecei a perguntar sobre transações, licitações, entre outros assuntos. Eles ficaram incomodados e decidiram me denunciar para o Conselho de Educação”.
Mensalinho – Milca afirma que após fracassar a tentativa de obter as informações do próprio Legislativo, decidiu recorrer ao Ministério Público. “Recebi reivindicações da população sobre a forma de atuação dos vereadores. Foi aí que resolvi fazer a denúncia ao Ministério Público, pedindo que as contas fossem investigadas. Eu como funcionária pública cumpria a minha obrigação, mas eles, não. Então, cobrei no Ministério Público. Pedi todas as contas de forma transparente. Há indícios de mensalinho na Câmara, que está sendo investigado”, disse ela, completando que a denúncia ao MP foi feita em maio de 2015.
A vereadora questiona a liminar do TJMS suspendendo o afastamento dos cinco vereadores. “Eu pergunto à população de Jateí e à Justiça: como pessoas que não têm transparência voltam a ser vereadores? Já teve vereadora que devolveu dinheiro porque foi comprovado o erro [dupla função pública]. Os cinco voltaram por conta de liminar, mas o processo e a investigação continuam”.
Denúncia contra ela – Milca Gandine atribui a seus adversários da Câmara a denúncia feita pelos moradores Wilson José Fernandes e Elma Gonçalves de Oliveira, que originou o processo de cassação instaurado segunda-feira desta semana.
“Eles arrumaram duas pessoas para assinarem contra mim e abrir o processo. Porque meu processo [denúncia de acúmulo de função pública] não está na Justiça. Eu fico triste porque a imprensa local não divulgou, não ouviu o meu lado, e hoje sou vista como uma vilã. Só quero fazer o meu trabalho que é ser vereadora”.
Outros ameaçados – A vereadora diz que na época do afastamento dos cinco investigados pelo Gaeco, um abaixo-assinado foi feito com 20 assinaturas de moradores, para pedir a cassação do mandato deles. Segundo ela, essas pessoas que assinaram o documento também sofrem ameaças. “Muitos dos que assinaram também estão sendo ameaçados, sofrendo insultos e xingamento nas ruas”.
Milca diz que no seu caso não existe irregularidade, porque exerce a função de diretora de escola em horário diferente da Câmara. “A lei fala que o vereador, tendo compatibilidade de horário, pode ocupar cargo e função. O que não pode é ocupar dois cargos, como prefeito e vice-prefeito, prefeito e senador, mas no meu caso há essa liberdade. Está claro que é uma perseguição política porque fiz a denúncia. É um grupo político que faz qualquer negócio pelo poder. Estou me sentindo encurralada, mas quero deixar bem claro que não vou renunciar”.
Presidente nega irregularidades – Ao Campo Grande News, Francisco Alves de Araújo, presidente da Câmara, também se declarou inocente das denúncias de que ocupa duas funções públicas de forma irregular. Servidor do sistema penitenciário de Mato Grosso do Sul, ele diz que por 20 anos cumpriu expediente na penitenciária de Dourados e que está afastado legalmente da função.
“Só devo reassumir na Câmara na próxima sessão [dia 7 deste mês] e no momento oportuno vou me pronunciar sobre as denúncias do Ministério Público”, afirmou Araújo. Sobre Milca Gandine, ele disse que a colega de Legislativo já foi condenada por um órgão estadual de educação e tem prazo de dez dias para optar pelo cargo de vereadora ou de diretora da escola. “Duas pessoas fizeram a denúncia e a Câmara abriu o processo, mas eu não estava presente, não sei detalhes”, disse ele.