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Cidades

Um ano após morte, índios compraram até trator com produção

Aliny Mary Dias, enviada especial a Sidrolândia | 31/05/2014 09:04
Trator foi comprado com rendimento da lavoura cultivada na área ocupada (Foto: Cleber Gellio)
Trator foi comprado com rendimento da lavoura cultivada na área ocupada (Foto: Cleber Gellio)

De sede luxuosa da fazenda, a casa se transformou em escombros e agora é a varanda de uma área de convivência construída pelos terena. Essa é parte da transição que ocorreu em 12 meses na Fazenda Buriti, palco dos confrontos entre Polícia Federal e indígenas que vivem em Sidrolândia, distante 70 quilômetros da Capital. Um ano depois da intensificação dos conflitos, 38 famílias vivem na área e a produção no local é tamanha que até um trator avaliado em R$ 20 mil foi comprado pelos índios para auxiliar na lida com a lavoura.

Propriedade do ex-deputado estadual e ex-secretário estadual de Fazenda, Ricardo Bacha, a fazenda de 300 hectares faz parte de uma área de 15 mil hectares reivindicada pelos índios. Em 15 de maio do ano passado, um grupo de 100 indígenas ocupou a sede do local que ficou intacta até o dia 18, prazo estipulado pela Justiça Federal para a saída dos terena.

O grupo aumentou e 600 índios estavam na fazenda no dia 30 de maio, quando policiais federais foram até a área cumprir ordem de reintegração de posse. O resultado foi a morte do índio Oziel Gabriel, 35 anos e a permanência dos índios que persiste até hoje.

Um ano após o confronto, o Campo Grande News foi até a propriedade e o cenário é bastante diferente daquele 30 de maio. Da grande e luxuosa casa de alvenaria, levantada pela família de Bacha, só restou o piso. Chamas consumiram o imóvel na época dos confrontos e agora o espaço foi todo derrubado. Os entulhos foram retirados, o espaço foi limpo pelos índios e uma cobertura para abrigar reuniões e encontros foi erguida.

Onde antes era a casa da sede, agora cobertura foi construída para área de convivência (Foto: Cleber Gellio)
Onde antes era a casa da sede, agora cobertura foi construída para área de convivência (Foto: Cleber Gellio)

A movimentação das 38 famílias que vivem na comunidade 10 de Maio, que antes da ocupação viviam em uma das fazendas vizinhas da Buriti, é toda voltada para a lavoura. O líder do grupo, Paulo dos Santos Fernandes, 23 anos, conta que desde a primeira ocupação do espaço, mais famílias aderiram ao movimento de retomada e a produção sempre foi o objetivo de todos.

“Nós vivemos dessa terra desde o dia 15 de maio do ano passado, já faz mais de um ano e conseguimos conquistar algumas coisas. Aqui produzimos mandioca, milho, abóbora, melancia, batata, feijão e a terra é muito boa”, diz.

Em média, as famílias produzem em 250 hectares da fazenda. Nos primeiros meses após a ocupação, a lavoura rendeu bastante. Com o dinheiro arrecadado nas primeiras sacas e caixas vendidas, os terena conseguiram comprar um trator avaliado em R$ 20 mil. O veículo está sendo usado há dois meses na área e a expectativa dos indígenas é continuar lidando com a terra e produzindo.

“A gente conseguiu comprar esse trator com 10 meses de trabalho. Agora a chuva atrapalhou um pouco, mas estamos passando grade na área e vamos plantar mais uma vez. Aqui todo mundo é trabalhador e nosso objetivo é aumentar ainda mais”, completa Paulo, líder da comunidade 10 de Maio.

Lavoura produz milho, abóbora, feijão, mandioca e outras culturas (Foto: Cleber Gellio)
Lavoura produz milho, abóbora, feijão, mandioca e outras culturas (Foto: Cleber Gellio)

Claudemir Lopes, 32 anos, é o tratorista dos indígenas e desde que nasceu vive na região. Para ele, a permanência nas terras independe da decisão da Justiça, mas diz que se houver reviravolta no processo, a vida de todos vai mudar.

“Nós não vamos sair daqui, a área é nossa. Tudo o que essas famílias juntaram a vida toda tá aqui, se a Justiça mandar a gente sair, não temos o que fazer e nem para onde ir”, diz.

Na sede da fazenda, além da área para convivência, os índios transformaram a antiga capela usada pela família de Bacha em um  memorial em homenagem a Oziel, o índio morto em confronto. No pequeno espaço, pinturas feitas pelos próprios índios retratam a imagem do guerreiro e a palavra “resistência” ressalta o sentimento de quem vive ali.

“Nós queremos ampliar esse espaço e fazer um memorial para o Oziel. A resistência é porque nunca iremos desistir dessa terra”, diz Paulo, líder da comunidade.

Espera e impasse – O advogado do ex-deputado Ricardo Bacha, Newley Amarilla, explica que a família aguarda que até a próxima sexta-feira (6) o Ministério da Justiça resolva o impasse. O que os donos do local esperam é que a União compre a terra ou que a área volte para as mãos da família.

Capela se transformou em memorial para lembrar de Oziel, morto em confronto (Foto: Cleber Gellio)
Capela se transformou em memorial para lembrar de Oziel, morto em confronto (Foto: Cleber Gellio)

“Se a União não concordar com o valor e não indenizar, nós vamos ter a fazenda de volta porque ela já foi reconhecida pela Justiça como propriedade nossa”, completa o advogado.

A efetivação da compra das terras por parte da União ainda é o entrave dos processos da Terra Indígena Buriti. Com vários adiamentos, o prazo final prometido pelo Ministério da Justiça aos índios vence no próximo dia 6 de junho.

O Governo Federal ofereceu R$ 78 milhões pelas 31 propriedades da região, mas os produtores reivindicam pelo menos R$ 130 milhões, valor presente em laudo paralelo feito pelos produtores. O laudo final da área foi entregue pelos ruralistas no último dia 28 de abril ao Ministério da Justiça.

Caso o ministério aprove a indenização pedida, o acordo será formalizado na Justiça Federal, em seguida, vem a homologação das TDAs (Título da Dívida Agrária), e depósito dos pagamentos a serem feitos em dinheiro.

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