Energia Solar: propostas de mudança assustam
No dia 15 de outubro a ANEEL - Agência Nacional de Energia Elétrica colocou sob consulta pública uma nova proposta de alteração das regras sobre a compensação do crédito de energia solar. O mercado já esperava uma proposta ainda esse ano, mas não imaginava que seria tão frustrante.
A nova proposta revisará o regramento do setor, que atualmente permite aos consumidores produzir energia solar em casa ou na empresa, e depois compensar 100% da energia produzida na conta de luz. É o chamado “sistema de compensação de energia elétrica”.
Segundo a ANEEL, esse modelo de compensação integral, que foi criado para incentivar a expansão do setor, precisa ser revisto porque impacta negativamente na conta de quem não gera energia solar. Ela argumenta que a conta de luz é composta por outros custos além do valor da energia elétrica. Dentre eles, estão os custos relativos à rede de fios para transporte e distribuição da energia. O modelo atual isenta desses custos aqueles que geram a sua própria energia, fazendo com que os demais consumidores paguem sozinhos por eles, embora ambos utilizem a rede elétrica.
Haveria, portanto, uma transferência injusta dos custos de quem gera energia solar para os demais consumidores. A agência estima que em 2018 foram transferidos R$205 milhões de reais, e que se o modelo atual continuar, serão transferidos entre R$11 e R$13 bilhões até 2025, e R$50 e R$60 bilhões até 2035.
Para evitar tal distorção, afirma a ANEEL, o correto é que a energia solar produzida seja compensada somente com a parte da conta de luz que se refere à energia elétrica, e não mais com os custos relativos ao transporte e distribuição de energia. Em termos práticos, a proposta apresentada pela ANEEL joga um balde de água fria no mercado. Segundo a ABSOLAR –Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica, a alteração pode reduzir em até 60% a economia de energia gerada pelo sistema de placas solares.
De toda forma, aqueles que tenham instalado o sistema de energia solar antes da vigência do novo regramento terão preservados os direitos de compensação integral até 2030.
Da perspectiva jurídica, tal alteração acarretará significativas implicações para quem investiu ou quer investir em energia solar. Por exemplo, certamente caberá a discussão sobre a possibilidade, ou não, da ANEEL mudar as regras do jogo para aqueles que implantaram o sistema na vigência da compensação integral. E para quem adquirir o sistema após o novo regramento, caberá questionar a própria legalidade da alteração.
Outras questões também merecem muita atenção. Uma delas diz respeito à isenção do ICMS que é concedida, desde 2015, à energia solar produzida para o próprio consumo. Como se trata de um benefício, nada garante que ela dure para sempre. E isso pode complicar ainda mais a vida de quem investiu ou quer investir em energia solar.
Na verdade, a própria incidência de ICMS sobre a energia solar produzida é questionável, e provavelmente essa será a defesa quando as isenções terminarem. Aliás, uma boa medida é antecipar essa discussão, para impedir que haja cobrança de ICMS quando a isenção for retirada.
Também é questionável a restrição do acesso à produção compartilhada de energia solar a apenas cooperativas e consórcios. Assim, se um grupo de pessoas – como os moradores de um condomínio – quiser adquirir um sistema de energia solar em conjunto, pagando bem mais barato por isso, ele tem que constituir uma cooperativa, que tem um regramento jurídico especial, além de um processo de registro bastante burocrático. As empresas, por sua vez, precisam constituir um consórcio, o que também não é simples.
A nova proposta pretende incluir os condomínios voluntários no rol de figuras jurídicas que têm acesso ao sistema de produção compartilhada de energia solar. Todavia, não há uma explicação razoável para que outras figuras jurídicas, como as associações, estejam excluídas. Pelo contrário, o que parece é uma exclusão proposital, para dificultar o acesso à geração compartilhada.
Lembrando que a liberdade de associação é uma garantia prevista em nossa Constituição, impedir que as associações, por exemplo, tenham acesso aos inúmeros benefícios da geração compartilhada requer uma justificação bastante convincente, o que até o momento não existe.
Para se ter uma ideia do que esses questionamentos significam, basta dizer que centenas de associações já constituídas poderiam ter acesso à geração compartilhada se puderem incluir essa finalidade em seus estatutos. Além disso, criar uma associação é bem mais simples. Não bastasse, como a geração compartilhada também é para o consumo próprio dos associados, e não para comercialização de energia, não haveria que se falar em incidência de ICMS.
O fato é que nada parece estável no setor, que é um dos mais pujantes atualmente no Brasil, e nesse contexto de inúmeros questionamentos e incertezas, vale muito consultar um advogado especialista.
Davi Nogueira Lopes
Mestre em Direito (UFMS). Pós-Graduado em Direito Constitucional (PUC-SP). Advogado sócio do escritório LIMA, PEGOLO & BRITO ADVOCACIA (www.lpbadvocacia.com.br)