A procura da alma gêmea desde Platão até o Tinder
O Brasil parece viver uma crise romântica. As taxas de casamento despencaram na última década. E em comparação com as gerações anteriores, os jovens solteiros de hoje estão gastando mais tempo nas mídias sociais do que em um namoro real. Eles também estão fazendo menos sexo real.
Apesar dessas tendências, o anseio por uma alma gêmea continua sendo um fator comum entre as gerações. A maioria dos brasileiros continua procurando por uma alma gêmea. A ideia de que há uma pessoa lá fora que pode fazer cada um de nós feliz é constantemente transmitida através de filmes, livros, revistas e televisão. O que explica a persistência do mito da alma gêmea até o século XXI?
Origens do mito da alma gêmea.
Até onde conseguiram pesquisar, o mito da alma gêmea começa nos tempos de Platão. Em seu texto "Symposium", Platão escreveu sobre as razões por trás do anseio humano por uma alma gêmea. O filósofo grego cita o poeta Aristofanes dizendo que um dia todos os humanos já se uniram a sua outra metade, mas Zeus os separou por medo e ciúme. Naquela época até o deus principal tinha sentimentos humanos.
Essa ideia de alma gêmea perdeu força através dos séculos. Volta a rejuvenescer com outro poeta. Samuel Taylor Coleridge, em uma carta datada de 1822, diz que: "Para ser feliz na vida de casado... você deve ter uma alma gêmea". Para o poeta, um casamento bem sucedido precisava ser mais do que compatibilidade econômica e social. Requeria uma conexão espiritual. E a alma gêmea fez-se forte novamente.
As fontes religiosas.
Essas referências da alma gêmea não se limitam a Platão e a Coleridge, estão em algumas tradições religiosas de maneira surpreendente para muitos. Embora numerosas, ficaremos apenas com o judaísmo (religião da moda no Brasil) e o cristianismo.
Surpreendam-se, mas em alguns momentos da história das religiões, místicos e teólogos empregaram metáforas eróticas e maritais para explicar suas relações com Deus. Apesar de suas diferenças, o judaísmo e o cristianismo vislumbram a união amorosa com a força divina como o caminho para a felicidade, integridade e individualidade.
Essa ideia está na Bíblia hebraica. Lá está escrito: "O seu criador é o seu marido". Refere-se a Israel. Não a Israel atual, Estado-Nação, mas a Israel que desempenha o papel de cônjuge de Deus. Yahweh é o Deus dos judeus. Quando Yahweh ratifica sua aliança com Israel, é vista como a esposa de Yahweh. Para os judeus, o divino é sua alma romântica, sua alma gêmea.
Essa ideia está bem clara no Cântico dos Cânticos, um poema de amor erótico com uma narradora feminina. Está repleto de descrições físicas vividas por Yaweh e Israel e das delícias que recebem nos corpos um do outro.
Orígenes de Alexandria e a alma gêmea para os católicos.
No segundo século depois de Cristo, os cristãos também começaram a enquadrar sua relação com o divino em termos maritais. Um dos primeiros e mais influente foi Orígenes de Alexandria, um místico que se tornou o primeiro grande teólogo cristão. Segundo ele, o Cântico dos Cânticos é a chave para entender o relacionamento da alma com Cristo. Orígenes chama essa relação de "epitálamo", um poema para uma noiva que está a caminho da cama nupcial. Para ele, o noivo é a palavra de Deus. Orígenes vê Jesus como sua alma gêmea. Ele antecipa o fim dos tempos quando sua "alma se apegará a Cristo", para que nunca mais se separem. Seus escritos fundaram uma longa tradição de textos místicos baseados na alma gêmea com Cristo.
Milhões usam o Tinder em busca de sua alma gêmea.
Os usuários do Tinder vasculham em suas páginas procurando por sua alma gêmea. São milhões de possibilidades. Esperam que um deles o tornem inteiros e felizes. À luz da história do mito, não é de surpreender. Quem estuda a mitologia diz que esse é o mais forte dos mitos.