Fronteiras policiadas. Fronteiras livres
"Aqui em Ciudad Juarez, estamos em guerra...". Todos estão envolvidos, direta ou indiretamente, com o tráfico de drogas e de armas. As pessoas se cansaram de trabalhar nas "maquilladoras" - fábricas de montagem dos Estados Unidos, que pagam baixos salários - e terminam "sicareando" - traficando drogas ou armas. A fronteira entre os Estados Unidos e o México situada entre El Paso e Ciudad Juarez é considerada a mais violenta do mundo. Mais perigosa que a Faixa de Gaza (entre Israel e Palestina). São mais de 3.000 assassinatos por ano, o equivalente a 8 mortes por dia. Ponta Porã e Corumbá são paraísos quando comparadas a essa fronteira. Nesse lugar, há cercas e há um dos maiores contingentes policiais estacionados do mundo. O único plano para a pacificação desse lugar foi levar as "maquilladoras". A ideia inicial era correta, levar a industrialização para onde só havia pecuária e pobreza. Todavia, as fábricas que se instalaram em Ciudad Juarez pensavam apenas em explorar os mexicanos, pagavam a metade do salário que em outras unidades suas localizadas em cidades norte americanas.
De um lado Gibraltar, do outro, Ceuta. Sinônimo de encrenca, Gibraltar é uma cidade localizada na Espanha, mas pertencendo à Inglaterra. É uma rocha totalmente cercada e vigiada por milhares de policiais e militares. No outro lado do Mediterrâneo, está Ceuta. Essa cidade do Marrocos é uma das maiores portas de saída de haxixe e de imigrantes clandestinos de toda a África. Recentemente, em Los Barrios, um pequeno povoado espanhol, ao lado de Gibraltar, a polícia correu de uma multidão de seus cidadãos por causa de alguns quilos de haxixe que a polícia tentou apreender. A região, ainda que pese o intensivo policiamento, está tomada pelo tráfico de drogas. É o negócio que permite a sobrevivência da população.
Na mesma Espanha, mas no norte rico, fica San Sebastián. Uma belíssima cidade praiana. A quantidade de indústrias existentes na região de San Sebastián a torna uma das mais ricas de seu país. Em uma curta distância, aproximadamente 60 quilômetros, está Saint-Jean-de Luz. Essa cidade litorânea francesa é tão rica e formosa quanto a espanhola San Sebastián. A única barreira na estrada que as separa é um posto de pedágio. Não há um só policial que cuide da fronteira. Não existe tráfico de drogas ou de armas. É uma fronteira totalmente livre. Liberdade determinada pela riqueza igualitária. Povos que vivem em igualdade de condições em situação de plenitude de suas aspirações e necessidades.
O porto de Marselha é uma das cidades mais antigas do mundo europeu. Funciona, sem parar, desde o Império Romano. No outro lado do Mediterrâneo está Bugia. Essa cidade da Argélia é o porto de saída de multidões de imigrantes clandestinos. Até há pouco era o centro maior do tráfico de haxixe.
Annemasse é uma pequena cidade francesa na fronteira com a Suíça. Poucos quilômetros a separa de Genebra. Tal como entre San Sebastián e Saint-Jean-de-Luz não se vê um só policial na estrada entre as duas cidades. Outro caminho pode ser tomado para sair da França para a Suíça. É possível sair da pequena e agradável Aix-les-Bains para Genebra, na Suíça. Também nessa estrada não há policiamento. O fenômeno se repete. São regiões ricas. Suas populações não são desequilibradas economicamente.
Se não bastassem essas fronteiras, poderiam observar o que ocorre entre Cagliari (Itália) e Bizerta ou Túnis (Tunisia). O tráfico de drogas é pesado. Mas a acolhida do governo italiano e da igreja católica, torna os imigrantes clandestinos do norte da África em cidadãos de pleno direito em alguns anos. Por outro lado, quem visitar Como, na Itália, um dos "points" dos ricos do mundo pela estrada que a liga a Lugano, na Suíça nem lembrará que existem policiais. A fronteira é livre. Como deveriam ser as nossas Ponta Porã e Corumbá. O esforço, descomunal é verdade, deve ser pela industrialização transformadora. A alternativa são os assassinatos. A culpa não é dos policiais.
Mães que construíram a paz em uma das cidades mais violentas.
Catuche é outro inferno na violenta Venezuela. A região se mostrava sem vida, com tudo parado pelo medo, cheio de mães sem consolo, noites de insônia, contínuo fluxo de disparos, lamentos, polícia e carros das funerárias correndo o tempo todo. Desde os anos oitenta, duas comunidades vizinhas "La Quinta e "El Portillo" se expressavam da maneira mais violenta possível fazendo jorrar o sangue como advertência para o inimigo. Há dez anos, um grupo de mães, cujos filhos pertenciam às facções armadas rivais, decidiram tomar decisões para acabar com a onda de violência contínua. Por lá matam simplesmente porque podem.
Em um dia de agosto de 2007, após uma das confrontações que mais ceifaram vidas, o Centro Comunal Fé e Alegria começou a construir a paz. As mães desse centro comunitário convocaram seus filhos que faziam parte das gangues armadas. Apareceram uns doze rapazes de um bando e tantos outros do bando adversário. Esse primeiro encontro foi cheio de tensão pelos enfrentamentos e perdas sofridas por ambos lados. As mães e o filhos se deram conta que todos padeciam dos mesmos sofrimentos. Após um bom tempo, conseguiram costurar um acordo de convivência. Depois, avançaram e acertaram que construiriam as Comissões da Paz. Todo o esforço era organizado pelas mães. Desenharam um modo de operar o acordo. Se reuniriam a cada oito dias separados e todos se uniriam uma vez por mês. Se havia uma emergência, uma reunião era convocada no mesmo dia. Não perdiam tempo. Criaram "leis". Normas de conduta que todos deveriam respeitar: os jovens não deveriam reunir-se na fronteira dos dois povoados pois isso poderia ser entendido como provocação, nunca trariam estranhos para os respectivos povoados, não venderiam nem consumiriam drogas nos dois povoados, nada de exibição de armas, proibiam fazer sinais com foguetes ou fogueiras entre um setor e outro em cada povoado, era proibido descumprir o tratado. Na terceira falta todos chamariam a polícia, ainda que tinham claro que deveriam evitar essa norma de todas as maneiras. Funcionou.Dura 10 anos e acaba de receber prêmios da Embaixada do Canadá e da Anistia Internacional, que além da premiação editou um livro sobre essa pauta: "Acuerdos Comunitarios de Convivencia Ante la Violencia Armada - Pistas para la Acción".
Papa Francisco e os indígenas.
O Papa visitou a zona mapuche, a região mais pobre do Chile. Esteve em Temuche, o coração do conflito entre indígenas e fazendeiros. Antes de sua chegada, os índios haviam ateado fogo em três igrejas católicas e uma evangélica. Eles reclamam a propriedade da terra que lhe foi tomada no século XIX e entregue a colonizadores europeus. Os mapuches também derrubaram três helicópteros, incendiaram uma fábrica e cortaram uma estrada. Os ataques incendiários são constantes na região de Temuche. Muitos indígenas, policiais e fazendeiros morreram nos inumeráveis confrontos.
A tensão e o medo ocuparam a região antes da chegada do Papa. Muitos acreditavam que ele não sairia da região com vida. Francisco tratou de acalmar os ânimos e se postou como mediador entre as partes conflitantes. Os mapuches vem sendo acusados de terrorismo e o governo chileno aplicou a lei antiterrorismo contra eles - medida rejeitada internacionalmente. Francisco rezou uma missa que teve início com a língua do povo mapuche. Foi aclamado. Depois se reuniu com seus representantes. Ao mesmo tempo que defendia a causa mapuche, exigia que eles abandonassem a violência.
O Papa pôs no mesmo nível dois tipos de violência: a do governo que não cumpre suas promessas e a dos grupos indígenas que queimam instalações particulares ou públicas. Para boa parte dos chilenos os mapuches são efetivamente terroristas que devem ser combatidos com dureza. Para o Papa argentino, são grupos que devem frear a violência, mas que reclamam um direito legítimo e devem ser escutados. "Não se pode pedir reconhecimento aniquilando ao outro. A violência acaba tornando mentirosa a causa mais justa", conclamou Francisco a todos.