Os primeiros fazendeiros
O modelo da fazenda brasileira têm origem nas Linearbandkeramik (também chamadas de LBK). Essas fazendas de mais de 5.000 anos antes de Cristo foram instaladas na Hungria. Estavam inicialmente confinadas em terras que podiam ser aradas com a força dos músculos humanos. Somente mais de mil anos depois, com a introdução do arado puxado por bois, esses primeiros fazendeiros foram capazes de ampliar sua produção até regiões de solo pesado. Da Hungria, foram se espalhando da Ucrânia até Paris. Os LBK eram ceramistas, viviam em casas de madeira com planos retangulares e adotavam uma tecnologia com armas feitas de pedra. Essa breve descrição dos LBK é muito similar à dos portugueses e espanhóis que vieram montar suas fazendas no Brasil. É esse o modelo copiado por milênios, com a diferenciação da mudança de instrumentos de pedra para os de ferro. Pouco diferem do modo de vida de nossos indígenas. Mas há outras diferenças que seriam determinantes para a derrota dos indígenas.
Os LBK possuíam animais domésticos uteis. Criavam bovinos, ovinos, caprinos e, ocasionalmente, um ou dois porcos. Também cultivavam trigo, ervilha, lentilha, linhaça e cevada. Nas sociedades humanas que possuíam animais e plantas domesticadas, alimentavam mais gente. Forneciam carne, leite, fertilizante e ajudavam a arar a terra. Os animais domésticos tornaram-se a principal fonte de proteína animal, substituindo a caça. Esses animais produziam muito mais calorias ao longa da vida - leite, manteiga, queijo e iogurte - do que se fossem mortos e consumidos apenas como carne. Todas essas formas em que a agricultura e a domesticação de animais resultaram em maiores densidades populacionais, graças à produção de mais comida.
Mais comida e mais filhos.
É impossível pensar em uma fazenda sem a permanência do fazendeiro junto a seus campos e pomares. Essa permanência contribuiu para o crescimento das populações porque permitia intervalos menores entre os nascimentos dos filhos. Uma mãe indígena que se mudava constantemente, podia carregar apenas uma criança, além de seus poucos pertences. Ela não podia ter outro filho antes que o primeiro fosse capaz de caminhar rapidamente para poder acompanhar a tribo. Na prática, nossos indígenas tinham filho a cada quatro anos. Já os fazendeiros, que não enfrentavam o problema de carregar crianças, podiam ter e criar tantos filhos que pudessem alimentar. Os intervalos entre os nascimentos dos filhos dos fazendeiros eram de dois anos, metade da média indígena.
Estocagem, o segredo do poder.
O maior segredo do fazendeiro está na estocagem. Essa é uma tarefa impossível para quem não permanecia junto aos estoques para zelar por eles. Os estoques de comida eram essenciais para alimentar os especialistas que não se dedicavam ao cultivo ou à criação de animais. As sociedades indígenas têm raros ou nenhum especialista em tempo integral. A "especialização" mais almejada ao longo do tempo para um fazendeiro era ser um rei ou um burocrata - que segue sendo no Brasil atual. Os indígenas tendem a desenvolver sociedades relativamente igualitárias, sem burocratas e sem chefes fortes, além de terem pouquíssima organização política em sua tribo. Isso acontecia porque todos os seus integrantes em condições de caçar eram obrigados a dedicar a maior parte do tempo procurando comida. Já entre os fazendeiros, uma elite política pode obter o controle da comida produzida por outros, criar taxas e impostos, livrar-se da obrigação de conseguir sua própria alimentação e dedicar-se em tempo integral às atividades políticas.
Quem tem estoque vence a guerra.
É da estocagem de comida que nasce a complexidade de uma sociedade. De grande importância nas guerras de conquistas, esse estoque pode ser usado para alimentar soldados ou novos fazendeiros que chegam a uma terra. Foi assim que os bandeirantes conquistaram as minas de ouro. E também tomaram de assalto as reduções jesuíticas que existiam entre Aquidauana e Miranda. O modelo de ataque é simples. Andam, param, criam animais, plantam, estocam comida e voltam a andar. Até chegar ao povo a ser derrotado.
Os estoques de comida podiam também alimentar os sacerdotes, aqueles que devolviam alimentando suas almas. E ainda alimentavam artesão essenciais como especialistas em metais, que produzem espadas, armas e outras tecnologias. E escribas, capazes de preservar muito mais informações do que as que podem ser recordadas de forma precisa.
Além de tudo isso, os estoques nos mantêm aquecidos com roupas, cobertas, redes e cordas. Enquanto os fazendeiros tinham essas condições avançadas de vida. Nossos indígenas cultivavam cabaça - para servir de recipientes - mandioca, batata-doce, caju, palmito e pouco mais. O animal domesticado que almejavam era o papagaio, há trechos de nossa história que mostram guerras entre tribos por causa de papagaios.