Qual Brasil teremos após a Lava Jato?
A operação Lava-Jato está para completar dois anos. Seu chefe, o aclamado juiz Sérgio Moro, mostrou-se um aplicado leitor e seguidor da estratégia que escreveu em "Considerações sobre a Mani Pulite". Não apenas se esmerou na prisão de políticos e de empresários como procurou cativar o apoio da imprensa e, em consequência, a opinião pública.
Uma das referências de estudo de Moro é de um dos maiores críticos da "Mani Pulite", o professor da Universidade de Pisa, Alberto Vanucci. Esse professor em um recente estudo diz: "Regras oficiais só funcionam quando complementadas por instituições informais coerentes. O terreno fértil de qualquer reforma regulatória é um conjunto de iniciativas de baixo para cima, que empodere os cidadãos e os torne mais influentes junto aos agentes políticos para mudar as regras do jogo e tornar a regulação mais efetiva". Em suma, Vanucci diz que é a população e não os órgãos governamentais que decide a sorte da propina e de qualquer outro desvio ou incompetência dos governos.
Não está escrito em lugar algum que a história italiana será repetida no Brasil, mas a leitura dos que criaram o modelo e de seus honestos críticos, dispensa passaporte. Vanucci descreve a Mani Pulite como um processo de seleção natural. Quem foi capaz de sofisticar os meios de burlar os controles, sobreviveu. Adaptaram-se aos novos riscos embutidos na atividade ilegal. Criaram algo semelhante à "governança da propina". A atividade passou a ter coordenação mais experimentada. Deixaram de existir disputas a céu aberto entre as empresas desejosas de uma fatia do dinheiro público. Paralelamente à sofisticação do mercado da propina, a Itália viu surgirem efeitos indesejados de uma reforma política movida pela ilusão de que sistemas eleitorais filtram e escolhem caráter e não voto. Partidos viraram fumaça. O financiamento de campanhas passou a ser dirigido a candidaturas individuais. O tecido político se esgarçou, se esfacelou com a eleição de Berlusconi, sobre quem nada é preciso dizer.
Tal como os italianos, ficamos excitados. No início, seguíamos tudo nos jornais e na TV. Vimos os poderosos tremerem. Um grande espetáculo. Assim como na Itália, muitos brasileiros acreditaram, e ainda creem, que acabariam com a corrupção. Talvez ocorra uma diminuição no Brasil, mas as dúvidas estão no ar. Na Itália, a propina ficou maior. A Itália virou o grande exemplo da "sociedade líquida". Por lá não há mais ideologias, nem estruturas coletivas com as quais é possível se identificar.
O pior de todos os saldos para a Itália, ocorreu na economia - levou mais de dez anos para se recuperar. E quando, finalmente conseguiu, viu seu PIB crescer, mas com a décima-nona taxa da zona do euro. Moro conhece tudo isso, foi o mais dedicado estudioso de todo esse tempo. Ao contrário de seus colegas italianos não virou pavão, até agora não se deslumbrou com o imenso poder que tem nas mãos. Mas não pode errar na dose, um remédio vira veneno quando se erra a quantidade administrada.
Surgem tucanos dispostos a articular com Dilma as reformas da previdência, administrativa, tributária e trabalhista.
Ao contrário do que ocorreu em 2015, quando teve um sério flerte com a irresponsabilidade fiscal, surpreendendo a própria militância e alguns líderes, os tucanos do Congresso Nacional agora pretendem retornar à coerência de suas antigas bandeiras, especialmente as que demarcaram seu campo político no período FHC. O impeachment perdeu força dentro do PSDB.
Um de seus líderes históricos, Arthur Virgílio Neto, ex-ministro de FHC e atual prefeito de Manaus aproveitou viagem do ministro Aloizio Mercadante aquela capital para propor o diálogo entre governo e oposição a fim de discutir saídas para a crise econômica. Outros líderes tucanos também conversaram no recesso. Tasso Jereissat (CE), Arnaldo Madeira (SP) e Aécio Neves e, inclusive, Arthur Virgílio, não apostam em um governo de união nacional, todo mundo em um barco só, mas em uma pauta de reformas que tire o país da crise rapidamente. Essa pauta contemplaria as reformas da previdência, administrativa, tributária e trabalhista.
Por outro lado, o novo líder dos tucanos na Câmara Federal, Antônio Imbassahy (BA), afirma que o PSDB continuará apostando no afastamento da presidente da República. Imbassahy entende que o governo federal está mentindo para a população quando fala em propor uma reforma previdenciária. Todos querem ver as propostas de reformas colocadas no papel.
Os tucanos estão com pesquisas nas mãos mostrando que não é só o PT e seus aliados que estão sendo rejeitados pela maioria da população. Estão vendo que a rejeição vale para todos, inclusive para seu partido e para Aécio Neves. Bem como em São Paulo. Nunca antes, neste século, a popularidade de um governo do PSDB esteve tão baixa como a de Geraldo Alckimin.
Deixamos de ser o país de Caxias, passamos a ser de Rondon. Os encontros secretos de Golbery.
Os militares tornaram-se o exército de combate à dengue. Cuidam do Sisfron, um futuro sistema que cuidará de nossas fronteiras. Não se ouve uma só lamúria, um só grito militar pelo estado de perda de comando e de poder do Palácio da Alvorada.
Nunca na história deste país os militares deixaram de se envolver na disputa do comando da nação. Passaram por um longo aprendizado, infelizmente não acompanhado pelos civis. Há algo que escapa para a maioria dos que combateram o poder da época da ditadura militar - a perda da democracia se deu pela vontade de uma minoria, o golpe foi dado por, aproximadamente, 5% do Exército.
Golbery do Couto e Silva, tido por muitos como o ideólogo maior do período ditatorial, não só foi o condutor da saída pacífica da ditadura para a democracia, intrometeu-se até no mundo artístico. Ele, assim como boa parte dos militares dessa época, era um sujeito culto.
Os livros não contam, mas Golbery mantinha encontros secretos com parcela dos artistas. Nomes como Glauber Rocha, Jorge Mautner e Júlio Bressane, agiram como avalistas do retorno de Gilberto Gil e Caetano Veloso ao Brasil, após essas reuniões com Golbery. Para esses artistas, Golbery foi o grande catalisador do processo de redemocratização (essas declarações fomentam o horror da esquerda até nossos dias), que terminaria na Lei da Anistia. Deixamos de ser o país de Caxias, passamos a ser de Rondon, um militar conhecido pela frase: "Matar jamais, morrer se for preciso".
A mulher caneta.
"Há vozes ao redor de mim, centenas de vozes. Elas sempre estiveram comigo, desde a infância. Cresci no campo. Quando criança, adorava brincar ao ar livre, mas, ao cair da noite, as vozes das mulheres cansadas da aldeia que se reuniam em bancos próximos a seus chalés nos atraiam como imãs. Nenhuma delas tinha marido, pai ou irmãos. Não me lembro de homens em nossa aldeia depois da Segunda Guerra [muitas mortes]...O que mais me lembro é que as mulheres falavam de amor, não de morte". Esse é um trecho do discurso de Svetlana Alexievich, a bielorussa vencedora do Prêmio Nobel de Literatura. Seus livros são desconhecidos no Brasil, aliás, o brasileiro nada sabe da Bielo Russia.
Svetlana é uma escritora documental. Ela discursa. Poucas formas de comunicação parecem mais extemporâneas no Brasil do que os discursos. Os discursos tornaram-se símbolo da chatice, são palavrosos e duvidosos. No nosso país discursa-se para enuviar, confundir e autocelebrar. Nada a ver com o que Svetlana Alexievich tem a dizer ao mundo. Em dado momento de seu discurso ela diz que Flaubert definia-se como um homem caneta. Uma mulher caneta, uma autêntica sucessora de Flaubert, é como parte da imprensa mundial vem chamando a bielo russa que adquiriu fama internacional.