Professores criticam enquete da cloroquina em apostila da REME
Na opinião deles, atividade de Língua Portuguesa para alunos do 9º ano "incentiva a desinformação"
Material didático para ser trabalhado entre os alunos do nono ano do ensino fundamental na Reme (Rede Municipal de Ensino) em Campo Grande, durante as aulas remotas, traz conteúdo polêmico. Questão de Língua Portuguesa é para “enquete” com os familiares sobre quantos são a favor e quantos contra o uso da hidroxicloquina no tratamento da covid-19.
O Campo Grande News foi procurado por professores contrariados com o viés “ideológico” do material distribuído, na opinião deles.
“Fiquei incomodado com a temática do texto, achei desnecessária”, afirmou um deles, sob condição de preservação do nome. Para ele, tratar desse tema como conteúdo escolar e pedir pesquisa de “a favor/contra” aos alunos incentiva a "desinformação em meio ao esforço de convencer as pessoas a se proteger da doença e não usar remédios de eficácia não comprovada".
Para outra professora, o caderno anterior, de fevereiro, também trouxe enunciados inadequados. Ele fala da pergunta que abre a disciplina de Língua Portuguesa. Sob o título “Facebook: segurança da informação ou expurgo ideológico?”, um texto jornalístico, tratado como sendo do gênero artigo de opinião, fala das ações da rede social para banir páginas apontadas como disseminadoras de fake news, notícias falsas, em tradução literal.
A fonte do texto está no rodapé da página. É um editorial do Jornal a Gazeta do Povo, de Curitiba (PR), que se autodenomina como defensor das bandeiras conservadoras.
“Para contrabalancear, acabei falando com meus alunos sobre fake news e discurso de ódio”, diz o educador, para quem o uso desse artigo teve cunho , com a intenção de repassar a ideia de haver perseguição do espectro político de direita.
Enquete - Chamada “Caderno Base de Atividades”, a apostila elaborada pela equipe da Semed (Secretaria Municipal de Educação), tem de ser usada pelos professores para balizar as aulas em modo remoto justamente por causa da pandemia. Essa situação é nova, uma vez que quando as aulas estão em seu ritmo normal, é o professor quem cuida do conteúdo, adequando aos parâmetros curriculares.
Na edição para uso em março e abril, aparece o tema que divide opiniões. Ao todo, são 90 páginas de exercícios para serem usados pelos educadores em todas as disciplinas. Da página 71 a 73, na parte sobre Língua Portuguesa, o assunto é a utilização do princípio ativo cloroquina para tratar pessoas infectadas pelo novo coronavírus, ideia já reprovada mundialmente pela ciência.
São apresentadas duas manchetes de jornal sobre o tema. No exercício 11, a solicitação é de pesquisa sobre favoráveis e contrários ao controverso método de tratamento.
Tendo em vista o assunto das manchetes anteriores, faça um levantamento com membros de sua família de quantas pessoas acreditam que a hidroxicloroquina tem bons resultados no tratamento contra a Covid19 e quantas pessoas não acreditam na eficácia do remédio. Anote os dados abaixo”, traz o enunciado.
É feita a observação de que não é necessário identificar os entrevistados. “Apenas coloque a quantidade de pessoas contra e a favor”.
Dentro das regras – Procurada pela reportagem, a Semed (Secretaria Municipal de Educação) enviou uma longa resposta às questões formuladas. “Esta Rede de Ensino não se pauta por ideologias político-partidárias, e sim pelos princípios legais da Constituição Federal nos incisos I a III do Art. 206, que assegura a utilização de atividade desse tipo.”
Com relação à questão sobre a hidroxicloroquina, a explicação é de que a tarefa procura “desenvolver nos alunos as habilidades e competências de analisar e comparar os elementos de notícias, jornais e reportagens, além de desenvolver a capacidade de avaliação de verdade ou condição de verdade, sem problemas técnico-linguístico-pedagógicos com a questão”.
A Semed pontua não ter havido nas perguntas qualquer defesa do tratamento, tanto que foram apresentadas manchetes antagônicas, inclusive permitindo a discussão das informações do assunto.
Assim, pretendemos favorecer o ambiente do debate de ideias e não suprimi-lo, oportunizando inclusive, discussões acerca dos estudos científicos que apontam ineficácia do medicamento para tratar Covid-19, uma vez que todos, em um Estado democrático de direito, devem ter o direito à expressão assegurado, concordemos ou não com as opiniões”, afirma a resposta.
Em relação ao editoral do jornal paranaense usado como enunciado, o entendimento da Secretaria é de que está dentro dos parâmetros curriculares brasileiros.
“Visa a, justamente, verificar a compreensão leitora do estudante, se ele percebe que o foco do texto não é trazer adoção/refutação/perseguição aos ditos conservadores, que reconheçam que, em relação ao texto “Facebook: segurança da informação ou expurgo ideológico?”,
A Semed afirma que o foco da discussão não é político-partidário. “Isso é um pano de fundo para se discutir possíveis filtros que uma empresa que lida com comunicação em rede social virtual pode estabelecer, censurando ou selecionando conteúdos que impactam na vida individual e em sociedade. Outro ponto relevante é o que pode ser louvável a preocupação da própria empresa (em pauta) para evitar discursos de ódio”, diz a nota explicativa.
Para o órgão, se houve descontentamento nesse sentido, “de cunho político e/ou partidário”, ele não encontra respaldo legal, estando a questão em conformidade com os preceitos curriculares e legais vigentes nesse país.
A análise foi feita pela equipe técnica da Gerência do Ensino Fundamental e Médio, para a qual não foram encontradas “impropriedades, falhas ou incorreções pedagógicas”.