"Estádio Morenão lotado com Operário e Comercial! Isso é real ou ficção?"
Dia desses estava na padaria e um amigo da época de quando cheguei em Campo Grande, no final da década de 1970, se aproxima com seu filho adolescente para puxar papo sobre futebol. O garoto, que imagino ter no máximo 16 anos, mandou logo uma pergunta que, mais do que uma resposta, vale uma boa reflexão: “Morenão lotado em jogos entre Operário e Comercial. Isso é real ou ficção?”.
De fato, diante do quadro de decadência do futebol em Mato Grosso do Sul a partir dos anos de 1990, esse tipo de informação ou comentário soa hoje como obra de ficção para as novas gerações. Com o tempo, tudo foi se perdendo, o hábito de ir ao estádio nos finais de semana deixou de existir e não é difícil imaginar que campo-grandenses com idade entre 10 e 25 anos sequer sabem da existência do Estádio Morenão, muito menos que um dia foi palco de grandes jogos estaduais e nacionais envolvendo os dois principais times da cidade.
Se não há mais o hábito de ir ao Morenão nem a cultura do futebol em Campo Grande, também não há memória. Em 2011, o Cene acabava de vencer o Mirassol do Oeste, de São Paulo, por 4 a 1, em seu estádio, o Olho do Furacão, no bairro Jardim Los Angeles, pela Série D, a quarta divisão do Campeonato Brasileiro, e uma repórter da TV Morena entrou ao vivo e empolgada do local do jogo e disparou: “Essa é a vitória mais expressiva de um time de Mato Grosso do Sul na história dos campeonatos nacionais”.
Ela, a repórter, até deveria saber, por força da sua profissão, mas talvez também tenha pensado que vitórias como a do Comercial por 1 a 0 diante do Santos, com Pelé em campo, pelo Campeonato Brasileiro de 1973, a goleada do Operário por 5 a 1 sobre o Cruzeiro pelo Campeonato Brasileiro de 1981, e tantos outros resultados expressivos contra os chamados grandes clubes, fossem obra de ficção.
Operário e Comercial eram as grandes atrações onde quer que fossem jogar no estado e os estádios ficavam sempre lotados. Em Campo Grande era quase proibitivo torcer por algum time que não fosse da cidade. Bem diferente do que é hoje, com todos os corações e olhares voltados especialmente para os grandes clubes paulistas, nos anos de 1970 e 1980 só se admitia ser operariano ou comercialino. O clássico da cidade era chamado de Comerário e a rivalidade envolvendo as duas equipes estava entre as mais empolgantes do futebol brasileiro.
O Operário foi o que mais brilhou em nível nacional. Terceiro colocado em um Campeonato Brasileiro com 62 clubes, o de 1977, ficou atrás apenas do São Paulo, campeão, e o Atlético Mineiro, vice, com uma campanha simplesmente fantástica. Entrou na semifinal embalado por uma sequência de cinco vitórias em seis jogos, inclusive sobre o Palmeiras por 2 a 0, no Morenão, e encarou o São Paulo de igual para igual. Perdeu por 3 a 0 com os três gols no segundo tempo, e graças a ajuda do árbitro José de Assis Aragão ao time paulista. No confronto de volta, em Campo Grande, teria que vencer por diferença de quatro gols para chegar na final e venceu apenas por 1 a 0, gol de Tadeu Santos.
O jogo do Operário com o Palmeiras, o ultimo antes da semifinal, teve o maior público pagante da história do Estádio Morenão com 38.122 torcedores. E o jogo de ida da semifinal com o São Paulo registrou um dos maiores públicos pagantes da história do Estádio Morumbi com 109.584 torcedores. Confesso que se hoje fosse um adolescente também acharia isso obra de ficção, mas foi a mais pura realidade.