Vida boa de prefeito, sem carro oficial, só vale-transporte e bicicleta
Londres, fevereiro de 2013. Estava na capital inglesa para acompanhar a reestreia do treinador Luiz Felipe Scolari no comando da Seleção Brasileira, contra a Inglaterra, em Wembley, e na véspera do jogo aproveitei uma manhã de sol para saudar o histórico bairro de Camden Town, projetado como área residencial em 1791. Quando cruzava a avenida Euston Road, um senhor branco de cabelo amarelado e bagunçado, vestindo terno preto, camisa branca e gravata preta, passou na minha frente pedalando com esforço uma bicicleta comum, dessas que no Brasil há muito tempo não se vê pelas ruas nem nas lojas.
Fazia frio e ventava muito, mas mesmo assim parei para observar. O que chamou a minha atenção não foi a bicicleta nem tão pouco o homem branco, mas o seu traje inadequado, aos olhos de um brasileiro, para o meio de transporte que estava usando. Nem de longe poderia imaginar que ficaria ainda mais impressionado ao ser informado, enquanto observava, que aquele senhor era nada mais nada menos que Alexander Boris Johnson, prefeito de Londres.
Minha informante, uma brasileira casada com um colombiano que conheceu em São Paulo, e moradora em Londres havia cinco anos, ficou ali na rua comigo contemplando até o prefeito desaparecer de vista na Euston Road. Ela, tanto quanto eu, tinha muito a admirar o que via, afinal, a cena que disse ser diária e comum para os londrinos, no Brasil seria impossível mesmo em campanha eleitoral. Não sabia, mas fiquei sabendo que a London Assembly, equivalente às nossas Câmaras de Vereadores, tem regras rígidas quanto ao uso de carros oficiais, ou seja, o prefeito e os vereadores não tem direito a carro oficial e recebem vale-transporte, que usam quando está nevando ou chovendo. Quando tem sol eles vão para o trabalho a pé ou de bicicleta.
A minha interlocutora paulistana era funcionária de um hotel da rede Ibis em Camden. Ela disse que o prefeito costumava passar todos os dias pelo bairro, usando a ciclovia da Euston Road. Então, na manhã seguinte, uma quarta-feira, dia do amistoso da Seleção diante da Inglaterra, lá estava eu de novo no mesmo local. Aluguei uma bicicleta e fiz plantão até quase meio-dia para tentar ouvi-lo sobre algo tão extraordinário para nós brasileiros, mas não tive sucesso. Fazia frio e caia uma chuva fina, daquelas que parecem não parar nunca. Possivelmente por isso, conforme as regras da London Assembly, o ciclista-prefeito Alexander Boris Johnson tenha usado seu vale-transporte naquele dia.
Minha espera só não foi em vão porque conheci uma senhora de nome Shirley Wright, nascida em Manchester, mas radicada em Londres. Ela falou dos hábitos esportivos do prefeito com entusiasmo, contou que ele tem coleção de bicicletas, enfim, tão simpatica e gentil quanto falante. Sobrou até crítica para o senhor Boris Johnson. Disse que cruzou com ele na rua falando ao celular enquanto pedalava, e não gostou do que viu pelo risco de acidente.
Eu perdi de entrevistar o prefeito e o Brasil perdeu para a Inglaterra por 2 a 1 em um jogo que teve o volante campo-grandense Jean, que substituiu Paulinho no segundo tempo, como o melhor jogador em campo. No dia seguinte ao amistoso em Wembley voltei para Campo Grande frustrado por não ter reencontrado o senhor Boris Johnson. Só restou o arrependimento de repórter por não ter seguido aquele homem, mesmo a pé, logo que soube quem era. Pareceu ser uma figuraça e eu tive a chance de uma boa história.