Caminhada pelo Centro revela espaços que precisam de um olhar humano
Não é estranho pensar que as pessoas conhecem tão pouco o meio em que vivem. Basta olhar para o lado para comprovar. Há sempre um porta, janela ou fresta de memória se apagando com o tempo sem que o outro perceba. Foi por isso que um grupo formado por professores e acadêmicos do curso de Arquitetura da UCDB (Universidade Católica Dom Bosco) promoveu um passeio gratuito, para observar e pensar coletivamente sobre a humanização de espaços à mercê do abandono pelo Centro de Campo Grande.
A ação chamada Jane's Walk acontece em vários países em homenagem à Jane Jacobs, urbanista e ativista social americana que pregava o conceito de humanização das cidades. Jane foi uma jornalista que no início da década de 1960 escreveu o livro "Morte e Vida de Grandes Cidades" e influenciou a partir de então o pensamento sobre urbanismo. É uma das referências de quem mediou os diálogos durante toda a caminhada.
"É um livro muito atual se tratando da necessidade de humanização, de ativação dos bairros e dos centros da cidade, ou seja, de fazer com que estes espaços sejam colocados em uso por pessoas", comenta o acadêmico de Arquitetura Carlos Gonçalves, de 32 anos.
A observação iniciou pela Praça Aquidauana, que nos últimos anos tem lotado com eventos carnavalescos, mas que no restante do ano permanece como ambiente de passagem ou acolhimento para quem vive no desamparo sob a miséria ou uso de drogas.
"Uma praça não pode ficar abandonada, isso também enfraquece a utilização do espaço público, ao mesmo tempo, para entender Campo Grande e planejar a cidade temos que levar em conta todos os detalhes, principalmente, essas pessoas que estão aqui no entorno, temos que falar com elas e escutá-las", diz o professor de Filosofia Josemar Maciel que também organizou o evento a partir do Programa de Desenvolvimento Local da UCDB.
Passos a frente, o grupo se posiciona em um dos vagões da Orla Ferroviária, espaço revitalizado em 2012 com a proposta de levar entretenimento e gastronomia para a região. Mas basta um olhar rápido em volta para saber a quem o local pertence. Com vagões destruídos e abandonados, o local também virou reduto de moradores de rua.
A falta de ligação com quem vive em volta é um dos fatores que contribui para a degradação, aponta o professor de Arquitetura Fernando Camilo. "A vida do território, a vida da vizinhança precisa estar vinculada aos projetos. O urbanista precisa ver a realidade das pessoas a sua volta, nesse caso, as casa não tem contato com a Orla Ferroviário, estão todas de costas para uma área que acaba se tornando um beco".
Na visão do professor a retirada dos trilhos é outro ponto que merece discussão. "A gente poderia estar usando esse caminho com outro tipo de transporte, mas ao longo dos anos o poder público desconsiderou o trilho e disse as pessoas que o uso do trem é ruim", comenta.
Para ele os trilhos foram retirados de maneira opressora e desconsiderada. "Existia a vontade de tombar como patrimônio, mas quando você desapropria, tira da memória coletiva e ninguém mais lembra do trem. Mas o trem no serviria de nos levar para vários lugares, seria mais barato e seguro, sem contar que em muitos países é um meio de transporte que dá certo".
Sobre o argumento de que o trem pode ser perigoso para a população da cidade, o professor rebate. "Essa é a fala de quem quis tirar, não de quem utilizava", completa.
A reflexão continua sobre o calçadão da Rua Barão do Branco e diante da ausência de pessoas. "Antigamente era um lugar onde havia uma variedade de pessoas, moradores, comerciantes e visitantes. Era ponto de encontro e lazer. Com o tempo foi se tornando referência comercial e as pessoas foram se afastando", destaca Carlos.
Uma das soluções, segundo ele, seria dar uma chance para todo tipo de comércio que movimentasse o calçadão durante o dia e a noite. "É um local de referência na nossa cidade, que após o horário comercial, torna-se abandonado e as pessoas criam uma relação com a violências. Se houvesse comerciantes para movimentar o espaço, com certeza teríamos um bom uso".
A importância não se resume às ruas e grupo volta olhares mais atenciosos à praça do Rádio Clube, um espaço de passagem onde só de cara com o movimento quando há eventos no local. Talvez a relação de moradores com a praça tenha interferência do poder aquisitivo analisa a arquiteta Nathalya Buges. "Essas pessoas não tem o costume de sair dos prédios e ocupar a praça. Talvez esse seja um dos fatores", comenta.
O planejamento também faria toda diferença. "Quando falamos em projetos para espaço público também precisamos falar em conforto, árvores, bancos e estrutura para que as pessoas sintam vontade de ocupar a arquitetura", destaca.
Na conclusão dos professores, a caminhada, mesmo que não apresente soluções imediatas, promove à reflexão quanto a importância de que todo projeto deve ser elaborado para atender pessoas. "Isso é muito importante para que os projetos urbanistas tenham total vínculo com a realidade da população. Não adianta fazer um projeto mirabolante, revitalizar e reformar, se aquilo não tem uso. Com o tempo o urbano será degradado", conclui Fernando.