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Arquitetura

Obra de R$ 7 milhões é esperança de ver Armazém Ferroviário vivo

Construção é tombada como patrimônio histórico e simboliza novela para manter a história preservada

Por Aletheya Alves | 20/03/2024 07:51
Armazém foi depredado, teve sua cobertura furtada e sofreu com ação do tempo. (Foto: Google Street View)
Armazém foi depredado, teve sua cobertura furtada e sofreu com ação do tempo. (Foto: Google Street View)

Falar em bens tombados é refletir sobre como os patrimônios históricos têm sido mantidos vivos e, em Corumbá, o antigo Armazém Ferroviário da NOB (Noroeste do Brasil) é exemplo de como manter as estruturas conservadas envolve uma verdadeira novela. Contemplada com R$ 7.402.347,93 para se transformar na nova sede do CAC (Centro de Atendimento ao Cidadão), a construção é símbolo de como a história conserva a identidade do município, mas ainda assim ficou abandonada sob a sombra da destruição.

O armazém havia recebido um investimento público de mais de R$ 5 milhões em 2021 para a revitalização, mas a empresa contemplada desistiu da obra. Agora, uma nova empresa, a Agility Serviços Integrados é que venceu a disputa pelos R$ 7.402.347,93 para executar o serviço.

Sem ilustrações do projeto, a arquiteta e gerente de patrimônio histórico de Corumbá, Lauzie Mohamed Xavier Salazar descreve que o principal objetivo é manter suas as características arquitetônicas do armazém vinculado à E. F. Noroeste do Brasil (Estrada de Ferro), uma vez que o espaço é tombado.

Será restaurada sua fachada principal, respeitando as aberturas existentes com execução de réplicas das grandes portas sobre trilhos que existiam. As grandes tesouras de madeira que existiam foram roubadas ao longo dos anos que o prédio ficou abandonado, detalha a arquiteta.

A proposta municipal ainda contempla criar uma estrutura metálica para a cobertura em telha isotérmica para garantir conforto térmico, sem interferir nas características arquitetônicas.

Registro do armazém da NOB, em Corumbá, no ano de 1968. (Foto: Arquivo)
Registro do armazém da NOB, em Corumbá, no ano de 1968. (Foto: Arquivo)
Projeto é para que prédio seja readequado e transformado em CAC. (Foto: Google Street View)
Projeto é para que prédio seja readequado e transformado em CAC. (Foto: Google Street View)

Em relação aos pontos técnicos do projeto, o secretário municipal de infraestrutura e serviços públicos, Ricardo Campos Ametlla, explicou que a mudança no valor da reforma veio devido à alteração da estrutura de cobertura, além do reforço estrutural das vigas de respaldo. Também estão inclusas a demarcação de vagas de estacionamento, readequação de acessibilidade de calçadas externas, devido à pavimentação.

“Foi acrescentada a instalação de forro de gesso para melhor condicionamento térmico, readequação das instalações hidro sanitárias, readequação das instalações elétricas, iluminação externa do estacionamento e rede alta”, descreveu o secretário.

Pensando na importância da ocupação do espaço histórico, a gerente de patrimônio histórico, Lauzie, defende que o antigo armazém da NOB é um dos prédios mais emblemáticos da cidade e retomá-lo significa uma valorização da história enquanto patrimônio cultural.

O antigo armazém da NOB ficou muitos anos abandonado após sua privatização, passou por problema que o abandono provoca, principalmente por vandalismos, roubos e falta de manutenção predial. Há também os problemas que as intempéries causam, por não ter a merecida valorização, diz a gerente de patrimônio histórico, Lauzie.

Nesse contexto, ela explica que a preocupação não é apenas em dar uso ao prédio com o CAC, mas também valorizar sua história, arquitetura e imponência.

Sobre a proteção do espaço, Lauzie explica que o reconhecimento como patrimônio histórico em Corumbá veio através da Lei Municipal nº 1502/1997 - “tombamento do sítio histórico da ferrovia”, além de ser inserido na área de proteção cultural do Plano Diretor. A situação é diferente do complexo ferroviário de Campo Grande, tombado pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).

Visão panorâmica da Estação da NOB, em 1976. (Foto: Acervo/José H. Bellorio)
Visão panorâmica da Estação da NOB, em 1976. (Foto: Acervo/José H. Bellorio)
Litorina boliviana da Empresa Nacional de Ferrocarriles del Estado em Corumbá. (Foto: Museu Ferroviário regional de Bauru)
Litorina boliviana da Empresa Nacional de Ferrocarriles del Estado em Corumbá. (Foto: Museu Ferroviário regional de Bauru)

Voltando na história

Para entender o contexto em que o sítio histórico da ferrovia se insere em Corumbá, Lauzie narra que a chegada da estação ferroviária levou um tempo até ser concretizada para integrar a linha Itapura-Corumbá. Isso porque as obras em outras regiões permitiram que os trilhos chegassem, mas entraves técnicos e financeiros mantiveram a demora.

“Somente com a inauguração daquela que se tornaria um dos marcos da engenharia nacional, a antiga Ponte Barão do Rio Branco (Ponte Eurico Gaspar Dutra - tombada pelo Iphan), em 21 de setembro de 1947, os trilhos da E. F. Noroeste do Brasil alcançariam a cidade de Corumbá, sendo a sua antiga Estação Ferroviária inaugurada a 15 de dezembro de 1952”.

Em 15 de março de 1953, houve a primeira viagem de trem com passageiros e apenas alguns anos depois é que foi estabelecida a ligação com a linha férrea boliviana, “que atingia a localidade de Santa Cruz de La Sierra, passando a Estação Ferroviária corumbaense a ter um setor especial para atender os trens bolivianos”.

Registro da Estação Ferroviária, feito em 1976 (Foto: Acervo/José H. Bellorio)
Registro da Estação Ferroviária, feito em 1976 (Foto: Acervo/José H. Bellorio)

Do ponto de vista urbano, a arquiteta pontua que a ferrovia também influenciou na dinâmica do desenvolvimento.

“Ao longo da incorporação de sua linha como parte da Rede Federal Ferroviária S. A. entre as décadas de 1950 e 1980, os trens da E. F. Noroeste do Brasil que passavam pela Estação Ferroviária de Corumbá continuaram operando. O processo de privatização desta rede na década de 1990 levaria, no entanto, à desativação de seus trens de passageiros com a passagem da linha aos cuidados da América Latina Logística”, descreve a arquiteta.

Entre as perspectivas que avaliam a linha férrea, Lauzie comenta que há opiniões diversas principalmente ao falar sobre sua ligação direta com o declínio do comércio fluvial. Outro pensamento é de que a chegada do trem também simboliza o progresso e a estagnação.

Visão geral das linhas da ferrovia e vagões. (Foto: Museu Ferroviário regional de Bauru)
Visão geral das linhas da ferrovia e vagões. (Foto: Museu Ferroviário regional de Bauru)

“A chegada teria acabado por inverter o sentido do abastecimento da região centro-oeste do país, fazendo com que a cidade de Corumbá se tornasse ponto final e não mais inicial no movimento de distribuição de mercadorias, que agora partiriam da localidade de Bauru, no estado de São Paulo através dos trilhos da E. F. Noroeste do Brasil. Tal ponto de vista considera a mudança do eixo econômico do sul do estado mato-grossense para Campo Grande, tendo tal localidade se destacado como eixo central de transporte e comunicação a partir da década de 1920”, descreve Lauzie.

Há também críticas sobre a coincidência entre a chegada da linha férrea e o declínio do antigo entreposto comercial de Corumbá, como ela comenta. “De qualquer maneira, seja por seu alcance estratégico e diplomático no que diz respeito às relações com a Bolívia, seja por sua peculiar característica de transformação socioeconômica, faz-se imprescindível considerar que a ferrovia teria encontrado seu lugar no espaço urbano e regional corumbaense, imprimindo uma nova dinâmica à sua localidade e deixando um relevante legado, do qual a Estação Ferroviária de Corumbá é, certamente, um valioso testemunho”, completa.

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