Embaixo de ponte há 5 anos, Jesus faz quadros para viver e quer ensinar arte
Andarilho. Cigano. Velinho da Ponte. Jesus. Há muitos nomes para o homem de barba espessa e postura curva que mora há cinco anos na ponte que liga as avenidas Ernesto Geisel e Manoel da Costa Lima, em Campo Grande. “Minha origem é cigana, sou cigano desde a barriga da minha mãe”, afirma, orgulhoso.
Jesus César da Silva tem 70 anos, diz que nasceu em 1944, mas foi registrado apenas 1952. “Coisa de antigamente, não ter o cuidado com essas coisas”, acredita.
A cidade em que a família parou pela última vez foi Cardoso, no interior de São Paulo, onde ele acabou sendo criado como filho adotivo, após a morte dos pais. Foi nesse período, ainda com nove anos de idade, que ele descobriu pela primeira vez o que significava arte.
“Sempre tive a letra bonita, escrevia nas sacarias de arroz quando criança. Um dia, veio um pintor para fazer o letreiro de uma loja. Ele bebeu umas e não voltou mais. Nas circunstâncias, eu fiz o letreiro no lugar dele. Meu pai ficou bravo, brigou, mas a partir dali eu decidi que viraria artista”, relembra.
Foi com essa idade que ele também ouviu pela primeira vez o chamado do sangue e se aventurou pelo mundo. “Passei por muitos lugares, visitei muitas cidades, nem me lembro mais. Fui em vários países da América do Sul, Bolívia, Paraguai, Argentina e cheguei pertinho do Peru. Sou cigano, andarilho”. Cuiabá se tornou sua penúltima parada. “Moro aqui, nessa ponte desde 2010”, conta.
É no local, onde ele precisa andar meio curvo para permanecer em casa, que Jesus pinta seus quadros. Com tintas à água, que ele compra das doações e vendas de quadros no sinal, que ele faz o trabalho.
Produções abstratas ou que representam a natureza que ele mantém no quintal de casa, mais precisamente no córrego que passa ao fundo. “Sempre quis ser artista. Hoje me considero profissional, posso ensinar quem for, dou aula aqui para uns alunos, eles aprendem bastante, ajudo muitos a sair do mundo da droga”, afirma.
Mundo, que ele ainda não garante ter saído. “Sou muito louco mesmo, mas Deus está me proporcionando uma vida nova. Recebo aqui umas seis igrejas. Assembleia, Fogo Celestial, Universal, Aliança para Cristo, os Adventistas, Presbiterianos. Acho que tem mais uma a Quadrangular, sempre me atrapalho para falar o nome dessa”, brinca.
O jeitão descontraído e o sorriso fazem parte de Jesus. Você logo se acostuma. Não há rodeios para entrar na sua casa, nem para sentar onde quiser, no chão ou na cadeira. O gato da família, moram mais oito pessoas com o senhor, é daqueles que não faz cerimônia e cumprimenta todo mundo.
“Chamamos ele de negão. Nos cultos ele é o primeiro a ficar no pé do pastor”, orgulha-se. Os cultos são realizados, segundo ele, nas quintas-feiras, quando as igrejas também trazem mantimentos. “É o que mais faz falta pra gente. A comida de antigamente sustentava mais. Hoje em dia parece mais fraca. Você sente vontade de comer uma canjica de vez em quando”.
Seja nos objetos usados e velhos que compõe a casa ou nas marcas no rosto de Jesus, o tempo certamente passou por ali. Os dentes amarelados pela falta de cuidado e talvez pelo uso de entorpecentes, combinam com o cabelo branco e a barba comprida do artista.
“É assim que a gente está vivendo. Tive muito problema de saúde, pela água que tomava e pelas coisas que eu usava. Os tratamentos que eu faço são só de ervas naturais, não gosto de remédio, já sou cheio de coisa química se colocar mais eu vou ser só químico”, desabafa. Uma filha, de criação, completa ao fundo. “Por enquanto”.
É a deixa para Jesus dizer que tem planos de abandonar o local e ter o seu cantinho, com mais conforto. “O pessoal da igreja está me ajudando, parece que já tem até um terreno, eles ficam organizando pela internet, mas eu não tenho acesso. Se você pesquisar deve achar. Deus está nos proporcionando uma vida nova”, acredita.
De toda forma, parece que os tempos embaixo do viaduto estarão para sempre marcados na história do artista, que sempre assina seus quadros da mesma forma: Velinho da Ponte/Ciganus.