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Artes

Graffiti transforma murais da Aldeia Urbana Marçal de Souza

Projeto Kéxunakoa vai restaurar muros e oficinas gratuitas à comunidade

Clarissa da Faria | 22/03/2023 06:25
O projeto denominado de Kéxunakoa – que significa “fortalecer a tradição” – propõe uma integração durante 22 dias consecutivos. (Foto: Ana Carolina Fonseca)
O projeto denominado de Kéxunakoa – que significa “fortalecer a tradição” – propõe uma integração durante 22 dias consecutivos. (Foto: Ana Carolina Fonseca)

Uma vivência entre artistas muralistas e a população da Aldeia Urbana Marçal de Souza, em Campo Grande (MS), vai imprimir a expressão étnica ancestral em dois murais de destaque. O projeto denominado de Kéxunakoa – que significa “fortalecer a tradição” – propõe uma integração durante 22 dias consecutivos. O resultado da revitalização acontece no dia 14 de abril, no Memorial da Cultura Indígena, e marca o mês dedicado a celebrar a herança e cultura dos povos originários do Brasil.

A restauração consiste na correlação dos elementos que representam a raiz terena e destaca a 1ª cacique mulher em MS, Enir Bezerra, símbolo da luta e força feminina entre todos da etnia. Os moradores participarão, ativamente, da produção dos painéis, bem como de vivências sobre a produção da arte urbana, ministrada pelos artistas Caio Mendes e Alice Hellmann. Ao todo serão quatro dias de oficina prática que antecedem o início das restaurações dos murais.

Paralelamente, outras duas oficinas compõem a programação. Encabeçadas pelas indígenas Fabriciane Malheiro e Benilda Vergilio, trata-se da confecção dos novos trajes típicos, bem como as aulas e ensaios das danças tradicionais.

Por meio de técnicas de pintura e de costura, todos os adornos produzidos por essas jovens e mães terenas, farão parte de um acervo e, posteriormente, utilizados durante as apresentações. A reprodução das vestimentas e o resgate das danças dão continuidade à preservação das memórias e costumes das 240 famílias da Aldeia.

Uma vivência entre artistas muralistas e a população da Aldeia Urbana Marçal de Souza, em Campo Grande (MS), vai imprimir a expressão étnica ancestral em dois murais de destaque. (Foto: Ana Carolina Fonseca)
Uma vivência entre artistas muralistas e a população da Aldeia Urbana Marçal de Souza, em Campo Grande (MS), vai imprimir a expressão étnica ancestral em dois murais de destaque. (Foto: Ana Carolina Fonseca)

Os muralistas

Alice Hellmann e Caio Mendes são artistas tarimbados na cena artística quando o assunto é muralismo e graffiti. São eles os responsáveis pela execução de ambas as restaurações, uma delas num dos muros mais imponentes e o cartão de visita junto ao Memorial da Cultura Indígena, considerado um dos pontos turísticos de Campo Grande.

Caio Mendes, 36 anos, é formado em produção multimídia e multiartista há 16 anos. Mais conhecido como Green, assinatura que está no rodapé de diversas obras espalhadas pela Capital e até do interior do Estado. Com a temática regional, ele vem refinando seu trabalho, e por meio da técnica do realismo faz do graffiti sua maior forma de expressão quando o questionamento é: como manter as raízes sul-mato-grossenses. “A questão indígena sempre fez parte da minha vida, tanto no sentido artístico quanto no social e humano”, diz.

Sobre a incorporação dos aspectos das culturas ancestrais em suas obras, Green conta que seu maior interesse sempre foi desvendar o modo de vida e a organização desses povos. “Isso me fascina e sempre esteve muito presente em tudo que procuro desenvolver”. Quanto a idealização do projeto, ele explica que a proposta é de um intercâmbio de culturas ao levar técnicas artísticas modernas ao encontro da linguagem indígena. “Queremos que essa troca seja um novo incentivo e inspire as novas gerações da aldeia. É dar continuidade ao conhecimento tradicional que precisa ser levado de geração em geração, ainda mais quando falamos de uma comunidade terena que está inserida no coração da Capital”, garante.

Já Alice Hellmann, 32 anos, que é formada em artes visuais, a arte, seja por meio da pintura e até da música, é o que move sua vida desde os sete anos de idade. “É lindo revitalizar e mais especial ainda por ser num local que abriga culturas originárias na cidade”, explana. Quanto ao tema e sua  importância, ela é enfática: “apesar de toda toda dor e sofrimento desse povo, os terenas são políticos e organizados, vamos contribuir e ajudá-los a eternizar todo esse legado”.

Sobre as trocas de conhecimento e todas as vivências, ela explica que as ações destacam algo muito  maior. “É sobre promover ensino técnico teórico e prático da pintura para que a comunidade possa espalhar cores e formas da sua cultura para o mundo, por meio de expressões de arte urbana como estêncil, letras, personagens, pintura sobre tecido e, assim, continuem dançando suas raízes”, conclui.

 “É lindo revitalizar e mais especial ainda por ser num local que abriga culturas originárias na cidade”, explana a artista Alice Hellmann. (Foto: Ana Carolina Fonseca)
“É lindo revitalizar e mais especial ainda por ser num local que abriga culturas originárias na cidade”, explana a artista Alice Hellmann. (Foto: Ana Carolina Fonseca)

A mulher terena

Para a terena Fabriciane Malheiro, 39 anos, a iniciativa é uma forma de reavivar a memória ancestral por meio de costumes que precisam ser eternizados. “Serão semanas valiosas com muito aprendizado e trabalho. Envolver nossas crianças e jovens foi um dos desafios que encontramos, por isso, desenvolver práticas que sejam lúdicas e satisfatórias para ambos”, diz.

Fabriciane faz parte da comunidade há 23 anos. Aos 17 chegou sozinha e sem perspectivas, ainda carregando o filho bebê nos braços, com poucos dias de vida. Por muito tempo, o trabalho de doméstica e as inúmeras tentativas de concluir os estudos para ingressar em uma universidade, fizeram parte da sua rotina. Em 2010, por meio do Enem e do acesso ao sistema de cotas, ela foi aprovada no curso de Letras da UEMS, dando início ao seu sonho. Em 2014 formou-se, ainda assim, um novo desafio pela frente. “No ano seguinte ainda não trabalhei como professora, pois demorei a perceber que eu poderia ter outra profissão que não somente a de doméstica”, confessa.

E foi em 2016 que ela começou a desenvolver oficinas interculturais nas escolas municipais da Capital. “Neste período que comprovei o quanto as crianças se interessavam pela minha cultura e o que faltava era só mais incentivo”, conta. Hoje, além de ministrar aulas de língua portuguesa, também é responsável por disseminar as danças típicas entre as crianças e jovens da sua comunidade.

Programação

  • Dias 22, 23, 24 e 25 de março – Oficina de Arte Urbana com Alice Hellmann e Caio Mendes
  • 29, 30 e 31/03 até 8 de abril – Restauração do mural
  • 9, 10, 11, 12 e 13 de abril – Pintura do mural coletivo – Alice Hellmann/Caio Mendes e 20 jovens da comunidade
  • 30 e 31/03 – 6 e 13 de abril – Oficina danças típicas
  • 1 e 2 de abril – Oficina de pintura dos trajes de danças típicas
  • 14 de abril – Evento de encerramento das atividades e apresentações da comunidade

O progresso das restaurações, bem como o andamento das oficinas, pode ser acompanhado em tempo real por meio das redes sociais do projeto: Acesse o perfil no instagram @projetokexunakoa

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