Na calçada, homem coberto de argila leva público a pensar no caos
Performance fez parte da programação de IPêrformático que segue até o dia 15 de abril
Um homem com pouca roupa repleto de argila. Sentado na grama, seus movimentos aparecem moldando a terra no rosto. Não sobram olhos, nem boca, nem nariz. Tudo fica coberto de lama. Na calçada, o público, de aproximadamente 50 pessoas, para e olha tentando entender o que vê. Performance como a descrita acima foi que causou surpresa ontem (8), na calçada do Centro Cultural José Octávio Guizzo, na Rua 26 de agosto.
O artista se instalou e, por 40 minutos, fez sua performance “Anhange” usando os sentidos e os elementos naturais da terra: água, terra, fogo e ar como forma de reconfiguração do corpo e uso dele como um ritual.
Ao artista sul-mato-grossense Eduardo Araújo, conhecido como Dudx Dudx, a obra significou, também um retorno, já que há alguns anos deixou Mato Grosso do Sul para se tornar reconhecido pela sua arte em São Paulo. “Isso também tem a ver com a terra e com as coisas daqui”, resume o artista.
Coberto de lama, às vezes agressivo e em outros instantes angustiado, Dudx provocou com seus movimentos um pensar sobre a natureza, em um momento que o país tem sido tomado pela lama, em desastres ambientais que levam para longe pessoas e animais. Através do espírito “Anhangá”, presente em lendas indígenas como o espírito protetor das matas.
Mas, sem estar embebido pela sinopse de poucas linhas na porta do espaço, quem passava na rua ou foi pela primeira vez ao “IPêrformático”, que segue até o dia 15 abril com performances pela cidade, saiu pensativo, confuso, criando para um significado próprio à performance, parte ainda mais interessante da arte contemporânea, capaz de estabelecer um diálogo com a sociedade mais solto e usar criativamente o espaço público de um jeito que nunca se viu.
Visivelmente a expressão de Dudx também incomodou, especialmente, aos que passaram gritando o nome do presidente enquanto rolava apresentação. Mas o público não se abalou e seguiu firme assistindo a performance que mostrava Dudx sujo, rolando na terra, dançando, respirando o ar das plantas, outras vezes jogando tudo fora sentindo dor, angústia, aparentemente, medo.
“Mas o que você enxerga ali?”, perguntamos ao público que, em pouco tempo, criou sua própria resposta questionando a relevância da natureza, a importância da arte e expressão. “Eu senti uma angústia muito grande ao ver ele se cobrindo e sufocando, me fez pensar nessa vida em que a gente se sufoca com todos os problemas. Mas, ao mesmo tempo, achei muito libertador ele usando os artefatos que tinha em volta, especialmente, a terra que é nossa, que precisa ser cuidada, preservada. Ao mesmo tempo, o incenso me trouxe tranquilidade, uma paz”, descreve Rafaela de Souza Gomes, de 20 anos.
Eduardo Signor, de 23 anos, já tinha assistido outras performances de Dudx, mas saiu de novo surpreso. “Ele aqui teve um significado especial, porque vi um homem fazendo performance com terra dele, ou seja, existe um certo retorno, um acolhimento, é como ele se sentisse em casa”.
Também pela primeira vez, a fotógrafa Amanda Demarcki, de 28 anos, viu os animais. “Achei bastante sensorial e interessante como ele interpreta os animais, em vários deles a gente consegue definir o que é e isso é uma entrega muito grande à arte”.
Para o ator Leonardo de Castro, de 26 anos, os movimentos do artista trouxe à tona a necessidade de performance como forma de expressão pelas ruas da cidade. “A ideia de reconfiguração do corpo humano é muito bacana. E quando eu vejo isso, ainda mais aqui, quando a gente tem a questão indígena muito forte, me remete a coisas muito pessoais, da necessidade da performance como força expressiva nesse mundo tomado pelo cimento que é a nossa sociedade. Então o artista que faz performance é um resquício de liberdade e, usando elementos da nossa terra, a gente entra numa ancestralidade. É claro que isso é uma viagem muito pessoal. Mas é a partir disso que a gente olha o grotesco e enxerga nele alguma humanidade. E só a arte é capaz disso”.
A acadêmica Anna Beatriz, de 23 anos, não nega que a performance “causou uma confusão” na cabeça. Mas saiu pensando na angústia. “Eu vi um corpo deformado, sujo, em um incômodo muito grande, expondo às pessoas que observavam coisas que faziam muito sentido para ele e talvez não faça sentido para todo mundo. É muito louco pensar nessa bagunça”.