No Dia Nacional da Favela, literatura da periferia invade o Centro para ficar
Favela Literária aconteceu junto ao Sarau de Segunda com muita música e poesia.
Como diria o poeta Sérgio Vaz: A literatura desce do pedestal e beija os pés da comunidade. Escritores dos mais diversos bairros de Campo Grande levaram seus trabalhos poéticos para a Praça dos Imigrantes, na noite de ontem, durante a 1ª edição do Favela Literária. Organizado pela Cufa (Central Única de Favelas), a data foi escolhida, estrategicamente, em celebração ao Dia Nacional da Favela e a intervenção cultural somou forças ao tradicional Sarau de Segunda.
Desta vez, escritores de comunidades como a Favela do Mandela e Cidade de Deus não estavam presentes, mas é o objetivo para a segunda a edição que deve acontecer na mesma data, em 2020. O festival em Campo Grande aconteceu simultaneamente a outras 24 cidades do país, com o objetivo de difundir e integrar a literatura das favelas, seus autores e sua arte.
Empolgada com tudo que estava acontecendo, a coordenadora regional da Cufa, Lívia Lopes não parou um minuto. O evento aconteceu graças ao trabalho de voluntários.
“Estou muito feliz, porque a Praça dos Imigrantes agrega muitas extremidades. Todos da cidade vêm para cá e a maior parte mora na periferia, na “quebrada” e também estou feliz por ele estar acontecendo em várias cidades do Brasil. Em outras cidades há Favelas Literárias formadas por escritores negros, mas aqui a população é mais diversa e as oportunidades ainda estão surgindo. Aqui tem autores com livros lançados e outros com poesias cruas. São pessoas que buscamos para dar visibilidade. Algumas pessoas ficaram sem participar porque não tiveram tempo de imprimir os trabalhos, enfim, mas para o ano que vem a ideia é dobrar o número de participantes”, explica.
A acadêmica de Ciências Sociais da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) Ana Ortega, de 18 anos, levou suas poesias. Tímida decidiu expor os textos, para que o leitor interprete à sua maneira. Moradora da Moreninha, a jovem tem a empatia pelo próximo como inspiração e já escreve há quatro anos.
“Meus textos tem muito a ver com meus sentimentos, mas também a com a empatia. Hoje trouxe para expor. Se eu recitar expressarei algo que eu já sei, mas se as pessoas lerem terão suas próprias interpretações”, frisa.
Também moradora da Moreninha, a escritora Danielle Almeida, de 24 anos, levou o livro “Querem nos Calar - Poemas para serem lidos em voz alta” escrito em colaboração com mais de 15 escritoras espalhadas pelo Brasil. A obra também foi vendida a R$ 35, a unidade.
“Se trata de um projeto da poetisa Mel Duarte e eu fui escolhida para representar Mato Grosso do Sul. Sobre o evento de hoje é uma oportunidade e de visibilidade. É muito difícil ter essa relação da comunidade com o Centro, principalmente, em Campo Grande. Um evento como esse que traz escritores de todas as pontas da cidade é muito bom e é um momento de nos conhecer também e a gente acaba virando um núcleo”, frisa.
Mestre em literatura, o professor de filosofia Alex Domingos, de 32 anos, levou dois livros para o festival, o primeiro de 2017 “Absurdidade Poética” e “Entre Abismos”, publicado em 2019. No evento, as obras foram vendidas a R$ 10.
Domingos é morador da Vila Santo Eugênio e mergulha na poesia como libertação. “Não trabalho com temas específicos, são temas abertos, cada capítulo fala de uma coisa, mas eles estão todos ligados com o tema cotidiano. O primeiro livro, por exemplo, é composto por poesias e ensaio filosófico. Minhas poesias são uma fuga da Academia, uma escrita mais fluída, mais solta e mais livre”, explicou.
Para o professor tudo que é Centro tem maior visibilidade e a Favela Literária prova que a periferia também faz poesia. “É muito difícil um escritor de periferia ter o trabalho levado em conta. Há o preconceito de que morador da favela não escreve e que seria algo destinado à elite. Mas estamos começando a mostrar a cara e provar que a favela também faz poesia”, frisou.
A pedagoga e escritora Vilma Eva, de 34 anos, levou seu livro “Incômoda”, inspirado na vida da poetisa Emily Dickinson, e divido em seis gavetas temáticas.
“A estrutura dele foi pensada na vida da poetisa Emily Dickinson, que era uma mulher extremamente feminista, mas dentro da realidade dela no século 19. Elsa acabou ficou enclausurada em casa, sem sair até do quarto, por não conseguir se encontrar na sociedade dela. O livro é uma menção a história dela, no intuito de dizer que toda mulher que se impõe na sociedade é considerada “incomoda” e, claro, no sentido de estar em “cômodas” por os poemas dela foram guardados na cômoda do quarto dela”, explica.
Moradora do Bairro Piratininga, Vilma pontua que finalmente os escritores ganham visibilidade. “Eu penso que a gente está fazendo agora, o que o Sérgio Vaz faz em São Paulo há muito tempo, que é tirar a literatura do pedestal que a colocam e beijando os pés da comunidade, como ele mesmo diz. Eu acho de uma importância enorme, porque tem muitos escritores que nem mostram suas produções e um evento como esse dá visibilidade para todos”, garante.
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