No palco, Adriana Calcanhotto usa voz para ensinar como viver a poesia
Convidada de honra da 35º Noite da Poesia, ela falou sobre vivência com a poesia na carreira e vida pessoal
Convidada de honra da 35º Noite da Poesia em Campo Grande, Adriana Calcanhotto passou mais de uma hora no palco do Teatro Glauce Rocha, da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Com sua voz, Adriana não cantou, mas falou e muito sobre a poesia e seus efeitos na trajetória musical e pessoal. A noite de segunda-feira (09) foi um verdadeiro aprendizado para quem gosta de literatura, poesia e arte.
O evento, que é tradição da UBE-MS (União Brasileira de Escritores de Mato Grosso do Sul), também revelou os ganhadores a nível nacional e regional do concurso de poesia. O primeiro momento da noite seguiu dessa forma com os nomes dos poetas e suas poesias sendo anunciados para o público.
Ao todo foram mais de 1000 poemas inscritos para o concurso que selecionou os três primeiros lugares de cada etapa. Na nacional foram Marcel Gara de Minas Gerais, Samantha Bluglione do Paraná e Marina Alexiou de São Paulo. Com a poesia ‘O Tênis dançando a maneira do equilibrista’, Marina levou o primeiro lugar.
Já na regional dos 10 classificados, os três premiados da noite foram Reginaldo Albuquerque que é membro da UBE-MS, Susylene Dias de Araújo e Volmir Cardoso Pereira. Dedicado a Fabio Roca, o poema ‘Ainda Sobre o Litoral Central’ de Volmir conquistou a primeira posição.
Na visão da presidente da UBE-MS, Lucilene Machado, o material recebido dos poetas e das poetas se destacou e subiu de nível nesta edição. “Os trabalhos estão bons, inclusive tem um novo fazer poético, um novo movimento poético, uma nova maneira de fazer poesia. Está bastante interessante, o nível de fazer poesia está bom e melhorou bastante”, diz.
Sobre a participação da Adriana Calcanhotto na 35º Noite da Poesia, a doutora em literatura comenta que a UBE quis trazer alguém popular e que tivesse repertório poético. Lucilene fala que é evidente no trabalho da artista a relação e conhecimento com a poesia.
“A gente pensou em alguém que fosse popular e ao mesmo tempo atendesse essa questão poética. A Adriana se insere nesse universo, ela é uma cantora, uma compositora e uma poeta com grande potencial. Ela se mostra uma grande leitora e nas músicas dela a gente tem uma percepção que é uma pessoa que lê poesia, que tem uma construção”, diz.
Após a premiação, Adriana Calcanhotto subiu ao palco e foi recepcionada por uma plateia animada. Ao se ajeitar na poltrona, a cantora declarou que tem aceitado cada vez mais convites para falar sobre poesia e que esse é um assunto que a interessa.
Para a apresentação, a artista levou um notebook com registros que ilustravam os diferentes períodos e vivências dela com a poesia. “Eu tenho aqui umas imagens que uso para falar da entrada da poesia na minha vida que é uma entrada na média, totalmente ordinária que é através da música”, explica.
Ainda criança, a escritora descobriu a poesia através das ondas de rádio, que era ouvido pelas empregadas da família. Na frequência AM, Adriana teve contato com a jovem guardada formada por Roberto Carlos, Wanderley Cardoso, Leno e Lílian. A dupla Leno e Lílian, conforme ela, a marcou graças a uma música. “Me apaixonei por uma canção chamada ‘Devolva-me’ que eu achava que era só minha, muitos anos mais tarde quando a gravei, vi que ela não era só minha”, conta.
A frequência AM não foi a única que proporcionou poesia aos ouvidos de Adriana. Na FM, ela escutava canções da MPB (Música Popular Brasileira) e entre os artistas que mais a chamaram atenção estava Vinicius de Moraes.
No final da década de 1970, a cantora não sabia explicar, porém sentia que o ‘poetinha’ tinha o conhecimento de algo que até então era desconhecido por ela. “Tinha uma certa autoridade na voz dele, uma coisa que eu não sabia o que era, mas sentia. Eu sabia que ele sabia de alguma coisa que eu não sabia”, afirma.
Paralelo a rádio, Adriana começou a ler e foi através da tia que ganhou um livro escrito por Clarice Lispector. “Quando ela me deu ‘A mulher que matou os peixes’ eu não conseguia a partir dali ler mais nada que fosse para crianças porque eu tinha sido tratada como leitora, como pessoa”, recorda.
Durante a apresentação, a cantora mostrou outro livro importante, mas dessa vez escrito por Oswald de Andrade. O ‘Primeiro caderno do alumno de poesia’ foi outro que a deixou ‘fisgada, picada e deslumbrada’ tanto pelo conteúdo, quanto pelos desenhos que o acompanham.
O impacto deixado pela poesia de Oswald de Andrade a levou a outras pessoas que representavam o modernismo brasileiro. Uma das imagens trazidas por Adriana é a do ‘Abaporu’, que revelou o trabalho de uma de suas pintoras favoritas.
“Fui descobrindo um por um e com isso descobri a Tarsila, mulher impressionante, cultíssima, fiquei louca com ela e a relação com o Oswald. Ela que faz isso, que é um poema, que mostra que a poesia não está só nos poemas. Esse quadro está num museu em Buenos Aires e toda vez que vou lá fico plantada olhando isso. Pra mim é fascinante”, pontua.
Mulher do Pau Brasil - A trajetória musical e a influência literária se manifestaram em uma performance dela em 1987. Na casa dos 20 e poucos anos, Adriana criou ‘A Mulher do Pau Brasil’.
“Eu faço um show onde estou lidando com todos esses elementos, assimilando e incorporando esse visual. É como se fosse uma coisa pós tropicália. Aqui eu cantava Geléia geral que é um poema musicado por Gilberto Gil, cantava Escapulário que é um poema de Oswald musicado por Caetano. É bastante nessa linha de poesia veiculada pela música”, comenta.
Em 2017, Adriana voltaria a performar ‘A mulher do Pau Brasil’ em Coimbra, Portugal. O que era para ser uma apresentação única resultou na turnê que rodou o país e que chegaria ao Brasil em 2018.
Fazer poesia - Durante o evento na Capital, Adriana lembrou de outros encontros onde foi questionada sobre a poesia e sua função. No palco do Glauce Rocha, ela compartilhou uma dessas vivências.
“O último encontro de poesia que fiz tinha uma pergunta assim: ‘O que uma pessoa faz para viver de poesia?’. A pessoa que pretende viver de poesia está fodid*, a ideia não é essa, a ideia é viver poesia que é uma das coisas mais difíceis”, expõe.
Se estendendo no assunto da poesia e sua produção, Adriana frisou que nem tudo que é intitulado poesia de fato é uma. Na percepção dela é preciso saber enxergar onde está a poesia. “Tem quilômetros de livros de poesias nas estantes, tem trilhões de quilômetros de poemas sem poesia pelo mundo. A poesia está onde ela está e cabe a nós olhar”, diz.
Além do olhar, segundo a escritora, a poesia irá precisar de mais. “É isso que o Antônio Cícero diz: A poesia vai exigir de nós o máximo das nossas sensibilidades, o máximo das nossas capacidades. A poesia é síntese”, frisa.
Devido ao tempo de apresentação, as perguntas que partiram do público para a cantora foram reduzidas a cinco. Uma das perguntas feitas por membros da UBE foi ligada à produção de Manoel de Barros e a forma como Adriana a enxerga.
“Ele é uma coisa única, o jeito que ele faz a poesia dele a gente lê e sabe que é ele. Isso que ele faz, que ninguém tinha feito antes e nem depois, tem um nível de espontaneidade. É uma espontaneidade calculada, mas funciona, é a coisa mais próxima daquele presente infantil que a gente não consegue mais depois que cresce. Ficar adulto estraga tudo e ele conseguiu essa coisa que ninguém consegue. É admirável”, destaca.
Nos momentos finais da apresentação, a cantora voltou a falar do empenho que a poesia requer. “Escrever poesia exige rigor, excelência. Para ler poesia vamos ler boa, alta poesia, então o nosso sarrafo vai subir e vamos chegar ao Antônio Cícero que vai dizer: ‘A poesia exige de nós o máximo de nós”, pontua.
Adriana Calcanhotto volta a Campo Grande no dia 28 de outubro. A artista irá realizar show no Bosque Expo, do Shopping Bosque dos Ipês, onde irá cantar sucessos da carreira junto às músicas de seu novo álbum, “Errante”. Os ingressos estão disponíveis no site.
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