Primeiro dia de Cerrado Abierto tem nudez em cena e reflexão sobre sociedade
Até domingo, mostra acontece com espetáculos argentinos e chilenos, e até videomaping
Qual espaço o seu corpo ocupa? Ou melhor, qual espaço ele pode ocupar? "Espaço é importante", dizia o bailarino do Coletivo em Fluxo do Rio de Janeiro, durante a apresentação do espetáculo "Linha Primitiva". Elton Sacramento é negro, e um homem bailarino. Três palavras que, juntas, provam que o lugar de muitos corpos é o de resistência. Afinal, num momento em que posicionar-se parece perigoso, o coletivo carioca faz pensar se esse não seria o motivo de estarmos aqui, em essência.
Reflexão sobre nós, sobre nossos poros, nossos corpos, sobre os nós que compõe os nossos "eus". Foi com essas reflexões que a plateia foi recebida no primeiro dia da Mostra Cerrado Abierto, no MARCO (Museu de Arte Contemporânea).
"Pra mim, o espetáculo quis dizer não só do humano, mas também do animal. Mostrar que tudo está conectado. E a reflexão implícita a respeito dos nossos corpos foi expressada pelos dançarinos, o que não deixou que escapássemos do questionamento. Qual espaço seu corpo pode ocupar?", disse a funcionária pública Anny Santana.
O primitivo apareceu em movimentos básicos da dança contemporânea, em sons e em feições apresentadas pelos três bailarinos em cena. Inclusive, o nome da peça "Linha Primitiva" faz referência ao gestar, à natureza de dar a vida e à mágica que acontece quando o "esperma encontra o óvulo", nas palavras dos próprios bailarinos. O nó primitivo, a formação do embrião, se dá pela união de dois: a grande dualidade humana.
Embrião, gestação, vida. Aborto. Se espontâneo ou não. Puritano ou pecaminoso. O domínio do corpo da mulher continua não sendo dela. Por isso, quando a bailarina Mareu Machado tira a blusa para demonstrar o primitivo, pela arte, ficar com os seios à mostra, ainda vem o espanto da plateia. Por conta disso, a classificação indicativa do espetáculo é de 14 anos.
"Eu não sou de racionalizar. Eu só senti muito. É muito louco como a gente passa por isso, nossos corpos. Para mim foi o momento de aproximação, essa aproximação que a gente faz questão de negar, uns com os outros. Nós com nós mesmos, nosso corpo", avaliou Judith Pinheiro.
As reflexões acerca da dança e da sociedade promovidas pela mostra começaram antes, com o espetáculo da campo-grandense Cia. do Mato, com o estreante "Pra Você", do coreógrafo e diretor Chico Neller. "É uma homenagem pessoal, que eu não posso dizer a quem, uma pessoa que já não está mais numa outra dimensão, cumpriu um ciclo aqui. Ela tinha muito de lidar com as mãos, de cura com as mãos. E ela trouxe a psicologia para dentro da dança. Num belo dia acordei e decidi pela homenagem. Foi assim que o espetáculo nasceu", comenta.
Essa questão energética, de ciclos, foi caracterizada pelo cenário e pelo figurino dos bailarinos, sempre em preto e branco, que para Chico representa as várias energias presentes em um só indivíduo. "Todos nós temos toda essa energia, mais clara, mais escura, quando nós estamos manchados. Mas a gente tem um todo, quando a gente fala 'será que somos capazes de matar?', por exemplo, chegamos a conclusão de que sim, nós somos, em determinados casos, por defesa, então vamos do mais puro sentimento a atos extremos, e isso que a dança representou ali".
Para a bailarina Ana Carolina, essa energia de ciclos tem tudo a ver com o momento atual, principalmente, até o dia das eleições, domingo. "A gente vê um ciclo se fechar e outro começar", pontua.
De acordo com a produtora do Arado Cultural, Roberta Siqueira, responsável pelo Cerrado Abierto, cerca de 500 pessoas estiveram presentes na segunda edição da mostra. Para ela, o grande desafio continua sendo atrair público.
"Entender qual o melhor caminho, melhor abordagem é o grande desafio. Mas eu acho que o público aderiu bem neste primeiro dia. Tivemos uma boa adesão.Queremos sempre ampliar e mostrar que a cultura tem o seu valor, a dança tem o seu valor", pontua.
Os destaques desta edição estão na abertura de fronteiras com a Argentina e o Chile. Nomes como Sandra Acevedo, com o espetáculo "In Ex Ora Ble" apresentado no sábado, e o "Acto Blanco" com as argentinas Laura Figueiras e Carla Rímola no último dia da Mostra trazem ainda mais peso para a Mostra neste ano.
A expansão do espaço físico para receber as atividades também prevê mais público. Inclusive, parte da programação acontece no Parque das Nações Indígenas, com Roda de Danças Circulares e Jam Session às 16h e com o espetáculo-intervenção "Deriva", dos artistas Ralfer Campagna e Jackeline Mourão.
Instalações de vídeomaping no Museu, mostra de videodança, e exposição fotográfica de Paula Bueno e Ana Mundim completam as atrações do Cerrado Abierto, com programação totalmente gratuita.
Programação completa - Hoje, às 19h, Sandra Acevedo (Chile) apresenta o espetáculo "Em este lugar". Depois, às 20h, a Cia Dançurbana (MS) apresenta "Plagium?". Os dois espetáculos têm classificação livre e acontecem no MARCO.
No sábado (27), às 16h30, a Cia ETC (PE) encena "Os superficiais", no Parque das Nações Indígenas, com classificação livre. Depois, às 19h, no MARCO, Sandra Acevedo (Chile) apresenta "In Ex Ora Ble", com classificação livre. Finalizando o dia, às 20h, também no MARCO, a Cia Siameses (SP) apresenta "Jardim Noturno", para maiores de 12 anos.
Na tarde de domingo (28) as atividades acontecem no Parque das Nações Indígenas: às 16h haverá uma roda de Danças Circulares e Jam Session e, às 17 horas, os artistas Ralfer Campagna e Jackeline Mourão (MS) apresentam o espetáculo-intervenção "Deriva", com classificação livre. A programação da mostra será encerrada de noite com dois espetáculos no MARCO: às 19h Paula Bueno e Ana Mundim (MS e CE) apresentam "Cartas abertas ao desejo", com classificação livre, e, às 20h, Laura Figueiras e Carla Rímola (Argentina) encenam "Acto Blanco", para maiores de 16 anos. Em todos os dias, sempre às 18h, haverá mostra de videodança na fachada do MARCO.