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Comportamento

“Não vou ser vista como menino de saia e sim como a mulher que sou”, diz musa

Aos 30 anos, Bruna é musa da diversidade em escola de samba e fala sobre a presença da transexualidade no Carnaval

Thailla Torres | 15/01/2020 06:12
Bruna conquistou espaço em ambiente que até pouco tempo só aceitava mulheres cisgênero. (Foto: Paulo Francis)
Bruna conquistou espaço em ambiente que até pouco tempo só aceitava mulheres cisgênero. (Foto: Paulo Francis)

“Eu não queria ser vista como menino de saia, queria ser vista como a mulher que eu sou”. É dessa forma que Bruna Riquelme Marques, de 30 anos, se define ao lembrar do passado quando precisou sair de casa para assumir a identidade feminina. Hoje, com apoio incondicional da mãe e do pai, ela é musa da diversidade na escola de samba Igrejinha, destaque na Catedráticos do Samba e musa em dois blocos oficiais.

Salto 15 cm, body cheio de paetê, peruca loira e maquiagem impecável. Assim ela abre as portas de sua casa no Jardim das Hortênsias em Campo Grande. A reportagem é levada até o quarto onde estão as faixas e alguns acessórios feitos para o desfile de 2020 na Igrejinha, do qual é musa da diversidade e promete levar para a avenida a história de Xangô e o pedido de respeito às religiões de matriz africana.

A vida como transexual não é fácil para muitas mulheres, mas Bruna diz que não abre mão comemorar a posição em ambiente que até pouco tempo só aceitava mulheres cisgênero. “Conquistar espaço no Carnaval pra mim é grandioso, é um reconhecimento maravilhoso”, afirma.

Ela é quem faz a própria maquiagem e as fantasias. (Foto: Paulo Francis)
Ela é quem faz a própria maquiagem e as fantasias. (Foto: Paulo Francis)
Quarto da musa é cheio de acessórios feitos por ela. (Foto: Paulo Francis)
Quarto da musa é cheio de acessórios feitos por ela. (Foto: Paulo Francis)

Cabeleireira e artesã, Bruna convive com o samba desde a adolescência. “Sempre amei o Carnaval”, afirma. Mas nunca imaginou se tornar musa de uma escola de samba até 2017, quando recebeu o primeiro convite da diretora do bloco oficial Força do Tigre. “Eu fui convidada e aquilo foi um momento mágico. Eu me tornei destaque no bloco e voltei a ser convidada em 2019”.

Em 2018, a trans lembra que passou por um momento difícil na vida quando ficou 17 dias na cadeira de rodas após ser diagnosticada com uma infecção bacteriana. Já andando, nem os oito meses de tratamento fizeram com que ela abrisse mão do Carnaval. “Eu fui convidada e fui à escola mesmo tomando os medicamentos e usando sapatos baixíssimos. Mais uma vez ganhei esse reconhecimento e fiz questão de receber a faixa de musa”.

E comete um erro quem fala apenas "musa". Bruna gosta de ser chamada de “musa da diversidade”. “Porque é isso que eu represento, a diversidade. E desejo que haja um número maior de mulheres transexuais no Carnaval campo-grandense”.

A cabeleireira expõe que a maioria do mercado não quer dar oportunidade para transexuais, especialmente no Carnaval. “Ainda há uma resistência muito grande em relação. Não são todas as escolas de samba que compram essa briga e acham que eu devo estar ali. Há um caminho longo a ser percorrido, mas sinto que estamos no caminho certo”.

Bruna quer que outras transexuais tenham espaço no Carnaval. (Foto: Paulo Francis)
Bruna quer que outras transexuais tenham espaço no Carnaval. (Foto: Paulo Francis)

O caminho é longo, mas o percurso se torna mais leve quando se tem ao lado uma mãe como a de Bruna, dona Shirley, que não abandona a filha em nenhuma apresentação ou ensaio. “Eu estou com ela em todas, torcendo, aplaudindo, desejando o melhor para minha filha linda”, diz enquanto olha Bruna posando para fotos na penteadeira do quarto. “Ela é o meu orgulho e eu sei o mundo que ela enfrenta, por isso, faço questão de estar ao lado dela”.

Bruna se emociona e não nega que o apoio da família trouxe forças para chegar aos 30 anos realizada. “Quando você entra no processo da transexualidade tudo é muito confuso e você se sente perdida, se não há esse apoio, as coisas não caminham tão fáceis. Inclusive, quando comparam a transexualidade com a prostituição, não entendem que muitas vezes esse é a única porta que se abriu para o transexual que não foi compreendido pela família”.

A cabeleireira se diz privilegiada. “Infelizmente muitas mulheres transexuais não tiveram a vida que eu tive ao lado da minha família”. Mesmo quando saiu de casa para se identificar como mulher, o apoio permaneceu. “O primeiro passo que eu dei para seguir em frente com a minha autoaceitação foi sair de casa. É duro, mas isso é muito real. Normalmente muitas transexuais passam por isso. Minha família sempre me respeitou, mas eu precisei ir embora para voltar renascida. Precisei deixar de ser o filho caçula da minha mãe para voltar a filha querida deles. Eu só voltei quando estava com corpo feminino, cabelo cumprido e feliz ao me olhar no espelho”.

Dona Shirley é fã incondicional da filha Bruna. (Foto: Paulo Francis)
Dona Shirley é fã incondicional da filha Bruna. (Foto: Paulo Francis)

Desde criança Bruna se sentia mulher, mas não sabia quando teria coragem de falar a verdade para o mundo. “Eu sabia que tinha que terminar meus estudos porque não basta querer assumir alguma coisa e não ter educação. Naquela época eu tinha receio e não queria ser vista como um menino de saia, eu queria ser vista como mulher”

À época, a recepção dos pais e dos amigos da escola, que não a olharam como o colega de classe do fundamental no corpo de um menino, para Bruna foi a melhor coisa que aconteceu no mundo. “Naquele momento eu sabia que havia feito a coisa certa e seria feliz para o resto da minha vida. Fui recebida como a filha caçula e querida dos meus pais, coisa que não tem preço. Por isso, hoje, eu não vou ser vista como menino de saia e sim como a mulher que eu sou, embora parte do mundo tente dizer ao contrário”, explica.

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