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Comportamento

A 14 de Julho voltou a ter vida, mas a cidade não pode matá-la de novo

Bares trouxeram vida noturna para rua histórica, mas movimentação tem gerado discussões

Por Aletheya Alves | 05/08/2024 06:44
Rua 14 de Julho está passando por uma nova fase com bares. (Foto: Juliano Almeida)
Rua 14 de Julho está passando por uma nova fase com bares. (Foto: Juliano Almeida)

Em menos de um ano com bares querendo dar vida à Rua 14 de Julho, a novidade da galera ocupando o espaço já tem gerado discussões e presença de policiamento. Mesmo após a revitalização da via histórica, toda a estrutura ficava “abandonada” após o horário comercial e, agora, o desafio é mostrar para Campo Grande que o jeito é encontrar soluções e não “matar” mais uma vez o que pode ser o coração da cidade.

“Eu acredito que a cultura a gente constrói continuamente e coletivamente, e o sucesso recente dos bares da 14 vem para mostrar que Campo Grande pode ser como muitas outras cidades que visitamos e invejamos a vida urbana. Tem muita gente disposta a viver isso junto, é só questão de equacionar os impactos tendo em mente que a vida na cidade é fundamental e a sociedade e o poder público tem responsabilidade em fazer que isso prospere”, defende o arquiteto e urbanista André Samambaia.

De forma geral, ele explica que as obras de revitalização foram importantes para a estrutura, mas que tudo isso só tem sentido quando o espaço é ocupado pelas pessoas e é justamente esse movimento que estamos acompanhando.

Historicamente, a 14 é relacionada a vários movimentos que Samambaia cita como seu uso geral, sendo espaço de debates, manifestações políticas e com o “footing” (socialização e paquera lá atrás).

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Como urbanista, eu penso que o grande potencial das cidades está justamente na capacidade de propiciar encontros e potencializar trocas - não somente comerciais, mas de ideias. Uma cidade em que se sai de casa sozinho no carro até sua mesa de trabalho e depois retorna sem nenhuma troca nova é uma cidade estéril de ideias e potencialmente intolerante, porque as pessoas não convivem nem conhecem pessoas e formas de viver diferentes da sua, explica André.

Na prática, um exemplo é que a movimentação e presença de pessoas nas ruas já promove mais segurança do que quando há vias abandonadas após o horário comercial. “Hoje, começamos a encontrar algumas poucas lojas abrindo até mais tarde graças à movimentação dos bares que irradia para as quadras vizinhas, pessoas estacionando, descendo de ônibus, vindo a pé, andando com cachorro”.

Quem vive a 14 de Julho

Sócio-proprietário do Pizza Pub, um dos espaços que têm movimentado a Rua 14 de Julho, Jean Paulo Vernochi Costa escolheu sair da Rua Barão do Rio Branco para entrar no “novo” espaço. E, para ele, a via é o coração de Campo Grande.

“Depois de revitalizada, ficou mais bonita ainda. Sempre trabalhei perto do Centro e, para mim, a 14 traz conforto ao cidadão campo-grandense. Nos mudamos por algumas necessidades como mais segurança porque na Barão não nos sentíamos seguros, nem nossos clientes, e precisávamos de uma estrutura maior. Foi quando nossos parceiros do bar da frente ao nosso nos apresentaram o prédio que estamos hoje. Lembro até hoje do Leonardo e do Bruno falando: ‘vamos movimentar essa 14 só com bares à noite’”, descreve.

Rua tem se tornado movimentada durante as noites. (Foto: Juliano Almeida)
Rua tem se tornado movimentada durante as noites. (Foto: Juliano Almeida)

E, falando sobre os outros bares, ele cita que a parceria é algo essencial. “Eu estive em Brasília e Florianópolis há pouco tempo, antes de mudar para a 14, para investigar como funcionava a região de bares nessas cidades. Foi bem proveitoso e vi o quanto era bom para todo mundo”, descreve Jean. Ele cita que os próprios bares não se viam como concorrentes e, sim, como parceiros.

“Quanto mais bares, mais diversidade em produtos, interação e estrutura para oferecer. Sendo assim, mais público para atrair. A pessoa transita entre os lugares por ter essa gama de entretenimento, consequentemente, a região cresce e mais empregos surgem. E qual lugar melhor para isso do que a 14?”, destaca Jean.

Campo-grandense, a assistente social Aliny Bezerra conta que tem visto a retomada da 14 de Julho com empolgação. E, reforçando sobre como o espaço é saudável, até passear com sua cachorrinha foi.

“Acredito que esse novo movimento só agrega valores porque ali, antes, estava uma rua morta e com muitas lojas fechadas. Agora, esses prédios antigos que estão fechados podem abrir com uma nova perspectiva de empreendimento gastronômico e lazer”, diz Aliny.

Sobre o sentimento de segurança, ela detalha que foi por isso que levou sua cachorrinha. “Pelo motivo do espaço estar agradável, tranquilo e confortável; e também pude ver várias pessoas com seus pets também, assim como crianças, bebês e idosos”.

Aliny aproveitou para levar o pet para passear na 14 de Julho. (Foto: Arquivo pessoal)
Aliny aproveitou para levar o pet para passear na 14 de Julho. (Foto: Arquivo pessoal)

Para ela, a rua só vai continuar dando certo caso haja mais incentivos fiscais, apoio político e segurança pública para incentivar o lazer e cultura no período noturno. “Aqui em Campo Grande, a cidade morre após as 22h e também aos que são contra, a mídia poderia tentar mostrar que ali seria um ambiente saudável e sem perigo, para que assim não tomem decisões baseadas em preconceitos”.

E a “vigilância”?

Sobre as discussões que têm sido levantadas sobre a movimentação de pessoas e policiamento, Jean do Pizza Pub conta que a presença de agentes de segurança existe desde a abertura. Mas que alguns episódios durante abordagens geraram problemas.

“Porém, é tudo novo e todos estão se adequando ainda, clientes, nós empresários, a polícia e a vizinhança porque ainda temos vizinhos na região. Temos um comando na região central que escuta e conversa com a gente e nos orienta sobre algumas situações. Além disso, nós, coletivos de bares da 14, conversamos entre a gente toda semana e toda noite para priorizarmos em cuidar da rua, seja pela altura do som, pessoal na rua, orientando os clientes a não jogarem lixo na rua e nem utilizar a calçada como banheiro”.

Por hora, alguns materiais educativos têm sido divulgados entre os clientes e, para Jean, é somente através de diálogo que haverá uma adequação e paz.

Presença de policiamento na via durante funcionamento de bares. (Foto: Juliano Almeida)
Presença de policiamento na via durante funcionamento de bares. (Foto: Juliano Almeida)

André Samambaia defende que a presença do policiamento poderia vir como mais um ponto de segurança, mas que por vezes acaba exalando impressão de uma vigilância.

“No livro Cidades Invisíveis, o autor Ítalo Calvino tem uma definição que gosto muito: “Não faz sentido dividir as cidades nessas duas categoria [felizes ou infelizes], mas em outras duas: aquelas que continuam ao longo dos anos e das mutações a dar forma aos desejos e aquelas em que os desejos conseguem cancelar a cidade ou são por esta cancelados.” Pra mim, a cultura urbana de Campo Grande, reiteradamente, age para reprimir e cancelar a cidade, a urbanidade, a convivência. Uma cidade que tem dificuldade de lidar com a coletividade, que não compreende o poder e a importância dos encontros e impõe, a todo custo, obstáculos a situações que estimulam e alimentam esses encontros”, pontua.

O que diz a Prefeitura?

Sobre a crescente movimentação na Rua 14 de Julho, a Prefeitura não informou se há hipótese de fechamento, por exemplo, da via durante o período noturno para melhor circulação de pessoas.

A resposta foi de que alternativas para revitalizar a região têm sido buscadas e, entre as ideias discutidas, estão a criação de corredores gastronômicos, propostas de isenção fiscal, criação de vagas de estacionamento, de espaços culturais e incentivo de atrações culturais aos fins de semana.

Além disso, sobre o movimento na via, foi informado que os estabelecimentos que precisam funcionar além do horário permitido em alvará devem solicitar uma ampliação.

“A Rua 14 de Julho e mais de 100 quadras receberam um conjunto de intervenções e obras que transformaram a infraestrutura, com melhorias nas calçadas, na caminhabilidade e no recapeamento. Estão sendo instaladas novas câmeras de segurança neste quadrilátero. Além disso, já está em andamento a construção da Vila do Idosos (40 apartamentos) e do Condomínio Belas Artes (792 apartamentos)”.

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