A gente se prepara para o parto e esquece que o mais difícil pode ser amamentar
Amamentar dói, exige entrega, resistência e ouvidos tampados para os palpites ao redor
Ninguém conta para a mãe que a imagem dela amamentando não terá nada de bonito. Aquela cena da mãe plena, dando o peito na calmaria e sorrindo é conto de fadas. Mentira das grandes. Amamentar dói, exige entrega, resistência e ouvidos tampados para os palpites ao redor. Se você insiste, está deixando o bebê passar fome e quando entra com a fórmula, foi porque não tentou de tudo.
Que atire a primeira tigela de canjica, colher de água inglesa, garrafinhas de intermináveis litros de água, dezenas de equilides e por aí vai quem achou que parir era a parte mais difícil da maternidade. Bico rachado, fissura, sangue, mastite, febre, pega incorreta, bico invertido, são termos que, se você já passou por isso, está familiarizado, ou pelo menos já ouviu sair da boca de alguma outra mãe.
Vivo hoje uma relação de amor com a amamentação, embora não seja exclusiva. Mas jurei de pé junto que da segunda filha, eu saíria da maternidade já dando mamadeira de tão exaustivo e traumático que foi com o primeiro. Por sorte, a gente nada nos cuspes que jogou pra cima (isso dá até título de um próximo texto) e foi dando tudo certo.
Convidei uma das mães que me faz companhia nos grupos de Whats e também na profissão, a jornalista Carla Gavilan para contar seu relato. Não sei se ela se lembra, mas eu a encontrei, no corredor da clínica da pediatra das crianças, acabada logo depois da Clara nascer. Além do puerpério, a amamentação para ela esteve longe da plenitude que pregam por aí. Eu nem sabia ali do que se tratava, mas a abracei e disse que ia passar, que ia ficar tudo bem. Solidariedade entre mães é uma coisa que brota até com quem a gente nunca viu na vida.
Relação de amor e ódio - Na gestação, o foco foi para o parto normal. Por medo de cirurgias, a última coisa que Carla queria era parar numa cesariana. A amamentação até que entrou no check-list pré-parto, mas bem vagamente. "Me falavam 'prepara o psicológico' e isso ficou muito vago, eu não dei muita atenção, achei que seria uma das outras tantas dificuldades da maternidade..."
Clara nasceu, de parto normal, como o esperado pela mãe. No primeiro dia desceu o colostro, no entanto à noite a filha não parava de chorar. Nada do que tentassem fazer resolvia, o que dava a entender que era fome. "Fiquei esperando orientações do banco de leite e não recebi", lamenta a jornalista. Mais uma falha do nosso sistema de saúde.
A mãe continuou na tentativa, ia ajeitando a pega e a fissura de normal passou a machucar demais. Longe de cicatrizar, Carla tentou pomadas, tomar sol, mas nada resolveu. A bebê perdeu peso e precisou entrar na fórmula. "E meu peito cheio, empedrado... O que me ajudou foram minhas amigas próximas e a pediatra dela que me orientou a fazer a massagem, mas não essas bonitinhas da internet, que não resolveu nada para mim. Ela dizia: 'Carla, você tem que amassar igual pão', precisava apertar e eu não conseguia porque a dor era insuportável", lembra.
Passar a alternar entre peito e fórmula, por uma questão de peso, não "pesou" na consciência da mãe. Uma das tantas culpas que a gente carrega quando precisa entrar no leite artificial. "Eu pensei: 'não tem por que passar por isso'. E ela ficou praticamente um mês na fórmula", conta. A mãe ainda ofertava o peito, e Clara aceitava, mas mais como fonte de aconchego do que alimento.
Foram quatro mastites, ductos entupidos, febres, calafrios. A última instância foi o laser, ótima solução que em duas sessões já deixou Carla mais aliviada. "Era muito sério, estavam os dois muito machucados. Eu sentia tanta dor em amamentar que não sentia fome, emagreci muito no pós-parto", pontua.
A vontade de fazer dar certo era proporcional à dor. E Carla foi para a translactação - como aparece na imagem que ilustra a matéria - técnica em que a mãe coloca o bebê para mamar o peito junto de uma sonda. Deu certo. Clarinha voltou a pegar o peito, deixou a fórmula, mas a dor que Carla sentia, persistiu. Exames não apontavam nada de errado e ela teve de apelar para medicações. "O que eu entendo hoje é que a minha mama é grande e meu bico era pequeno, existia essa complexidade natural da anatomia e, acho que o baby blues me judiou um pouco. Quando ela estava mamando, eu só queria que desse certo, do jeito que fosse, então eu não tirava para corrigir a pega", recorda.
A experiência da amamentação é profunda e mexe com muitas outras questões da maternidade e da família. A gente cria uma relação de amor e ódio porque pensa que vai ser algo "natural" e também porque apesar de se falar sobre as dificuldades na amamentação, ainda é muito pouco.
Quando conta sua história, Carla ouve de muitos: "por que você passou por isso? "Que louca". "Quando você está envolvida, é um universo que eu não sei explicar direito o que faz a gente querer. Talvez seja essa questão de ser mãe mesmo. Para mim, teria sido mais fácil ela continuar na fórmula, mas eu fiquei numa pressão minha mesmo".
E todo mundo ao redor disse que ela poderia parar. Marido, mãe, sogra, amigas. "Eu estava engolida pelo puerpério, aquela coisa de que tem que dar certo, uma teimosia, mas encontrei muito apoio como eu queria. Eu entendi o amor deles que me falavam para parar porque presenciaram meu sofrimento, mas também me apoiaram no: 'vou tentar de novo hoje, vou tentar de novo hoje'", explica.
A rede de apoio foi fundamental para a jornalista seguir na amamentação, na escolha que ela fez. Recentemente, Clara completou 1 ano e continua mamando. "Se fosse hoje, eu teria procurado uma pessoa especializada nessa área que eu nem sabia que existia, do mesmo modo que procurei obstetra, pediatra... Não me atentei que poderia ter muita dificuldade e que também teriam profissionais para isso. Eu não precisava fricar só com a receita dos outros, o jeito que minha mãe e avó fizeram", acredita.
O tema é tão extenso, ao contrário do tempo das mães, que decidi falar disso também na próxima semana. Carla me deixou até o gancho para continuar ao resumir sua experiência numa frase: "acho lindo quem consegue amamentar, mas eu entendo profundamente quem não consegue".
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