Antes de partir, Lúcia deixou 9 dicas de como viver para o filho
Lúcia era cabeleireira de muitos amigos no bairro Nova Campo Grande e faleceu dia 22, mas inventou forma sensível de sobrevida
A cabeleireira Lúcia Cavalcante de Oliveira Menegazzo se despediu da vida aos 57 anos, na semana passada, em Campo Grande, vítima de parada cardiorrespiratória, mas inventou uma forma bem sensível de sobrevida, para estar presente em momentos importantes e desafiadores do filho único.
Ninguém sabe exatamente quando mas, às escondidas, Lúcia dedicou-se a escrever duas cartas especiais para o filho Luis Eduardo Cavalcante de Matos, de 19 anos. Ela, que parecia saber de uma despedida, conseguiu concluir uma carta amorosa e sincera sobre o orgulho que sentiu do menino durante todo tempo que estiveram juntos nesse plano. E foi além, deixou num papel pequeno a "receita da vida", para que ele nunca deixe de viver.
As cartas foram encontradas por Luis ainda na última semana. Na hora, afirma que sentiu uma vontade incessante de abraçar a mãe. “Aqui não mora nenhum arrependimento por um eu te amo não dito ou abraço não dado. Eu e minha mãe sempre fomos muito próximos. Mas ver essas cartas me emocionou muito. A primeira coisa que eu queria era só o abraço apertado dela mais uma vez”, descreve o filho.
A receita escrita à mão, enumerada e com tópicos marcados de caneta vermelha, agora é como um livro especial de cabeceira, não sai do lado de Luis, sempre chamado pela mãe e os amigos de Dudu.
Os ingredientes claramente são frases lotadas de amor sempre ditas por mães que, às vezes, nós filhos, na imaturidade, deixamos passar desapercebidas. Mas faz todo sentido. Para Luis então, virou combustível para seguir em frente, mesmo na saudade e no luto que insiste em ficar.
- Evite despertar antecipado ao horário real.
- Resolva uma coisa de cada vez.
- Aproveite a energia do sol
- Mantenha o corpo hidratado.
- Espreguice e boceje (alivia a tensão)
- Viva intensamente os momentos agradáveis.
- Reserve tempo para fazer o que gosta
- Evite remédios para dormir e álcool e não terá outros problemas para administrar.
- Ria de tudo com vontade.
Não fossem as paredes pintadas, os móveis revirados e o cartão de fechamento por luto na portinha do salão de beleza, nada teria mudado desde o dia 22 de setembro, quando a cabeleireira deixou seu espaço de trabalho que dividia com o filho e nunca mais voltou.
Naquele dia, um infarto fulminante em casa mudou a vida deles para sempre.
Lúcia tinha uma saúde aparentemente de ferro, “nunca reclamava de dores”, lembra o filho. No salão de beleza estava sempre disposta. Era mais fácil ele, com cara de menino, amanhecer com preguiça do que a mãe que, se deixasse, trabalhava até mesmo aos domingos. “Às vezes ela podia folgar, descansar, mas ela pegava as coisas e ia atender cliente, sem preguiça nenhuma. Saía daqui de casa ou abria a porta do salão sempre sorrindo, do jeitinho que você está vendo nessa foto”, diz exibindo o quadro.
Luis passou a trabalhar com a mãe há três anos depois que fez curso de barbeiro e se especializou em cortes para o público masculino. Os dois dividiam um salão de aproximadamente 10 metros quadrados na Avenida Quatro do bairro Nova Campo Grande.
Quando a fachada ainda exibia o nome de Lúcia, o salão nunca ficava sem movimento. Era uma das cabeleireiras mais conhecidas do bairro, atendeu alguns moradores desde a infância deles, e foi com essa fama que alguns vizinhos sugeriram que sua história fosse contada na séria “O que ficou de quem partiu” do Lado B.
“Minha mãe não tinha inimigos. Aqui no bairro muita gente a conhecia. O salão era um lugar de relaxamento pelas risadas e histórias que ela amava contar para as clientes. No dia a dia ela também estava sempre disposta a estar com os amigos, tomar a sua cervejinha, ser feliz”, lembra.
A tia e professora, Arlene Aparecida de Mattos, que assistia a entrevista do sobrinho não conteve a emoção, muito menos soube falar de Lúcia no passado. “Somos amigas há anos. Ninguém consegue imaginar a falta que ela faz.”
Visivelmente fragilizado, Luis também ainda não consegue conter o choro quando fala da mãe. A entrevista na manhã de ontem (29), uma semana após a morte, foi uma das maneiras de tentar seguir em frente. “Eu estava chateado com as notícias que foram publicadas sobre o falecimento dela sem a nossa autorização e com a insensibilidade de algumas pessoas que ainda no dia do velório ligaram para saber o que eu faria com os equipamentos dela. Mas falar sobre a minha mãe é libertador. Ouvir de tantos amigos e vizinhos que ela está fazendo falta só prova o quanto ela será sempre especial”, diz.
O salão? Ainda fechado por luto. Mas voltará a funcionar de segunda a sábado como barbearia no próximo dia 2 de outubro na Avenida Quatro, 1064 - Nova Campo Grande.
Abrir as portas não será fácil, assim como não tem sido algumas mudanças. “Hoje, por exemplo, fui buscar os uniformes que havíamos mandado fazer. Precisei pegar o dela que estava pronto. Foi difícil. Mas agora ele vai para um quadro e estarei sempre exibindo o talento da minha mãe por aqui”, diz mostrando a camiseta e o diploma dela de 1992.
Hoje, os nove dias desde a despedida na própria casa fazem Luis lembrar da esperança que Lúcia tinha de que tudo iria dar certo, não fosse as surpresas da vida. “Ela estaria aqui comigo rindo e cortando cabelo como ninguém. Está sendo muito difícil. Mas se ela deixou essa receita da vida pra mim, eu vou seguir a risca. Mãe sempre sabe das coisas, né?”, termina ele.
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