Aos 20 anos, Felyppe perdeu movimentos, mas aprendeu a vencer o “fim da linha”
Hoje, 11 meses após enfrentar a cadeira de rodas e o risco de morte, ele mostra como a Síndrome de Guillain Barré o fortaleceu
Foi após o diagnóstico de síndrome rara que Felyppe Matheus Pugliese Silva teve a vida virada de ponta cabeça. Aos 20 anos, ele sentiu na pele o medo de morrer e foi parar até na cadeira de rodas, depois perder o movimento do corpo em 2018. O desespero aumentou mais quando o médico o desenganou e, ao ver a família triste, foi para o quarto e desabou em lágrimas achando que era o “fim da linha”. Hoje, 11 meses após, o rapaz relata sua experiência e os desafios que enfrentou até aqui.
“Vi minha vida parar. Senti fortes dores, muito incômodo nas pernas, fiquei na cadeira de rodas até o diagnóstico da síndrome de Guillain Barré. Foi difícil, o médico disse que voltaria a andar só depois de dois anos e que poderia morrer, pois o problema causa insuficiência respiratória. Fiquei sem reação, não sabia o que dizer e nem como agir. Tentei ser forte, mas em casa não segurei as lágrimas e chorei no meu quarto.
Tudo começou em setembro de 2018, quando sintomas apareceram. Trabalho na coordenação administrativa de transporte coletivo da Capital e é uma correria diária. Às vezes, entrava às 3h50 para recepcionar os motoristas, depois ia para a faculdade e da aula saia às 22h50. Chegava em casa lá pelas 23h30, e não conseguia me mexer de tanta dor.
Na época, meus familiares disseram que deveria ir ao médico, mas nunca fui de se cuidar. Porém, marquei a consulta com um reumatologista, pois achava que era reumatismo. Chegando lá, fui diagnosticado com trombose e todos ficaram assustados. No mesmo dia, fui proibido de dirigir e tinha ficar em repouso absoluto. O médico até quis me afastar do trabalho, contudo, não aceitei porque não me pareceu tão confiável.
Entretanto, segui a risca o repouso recomendado. Os três primeiros dias foram tranquilos, mas no quarto, não senti mais as pernas, principalmente à direita. Que barra, vi a vida passar diante dos meus olhos e quando percebi já estava na cadeira de rodas, que era da minha bisavó. Ela faleceu, mas a cadeira ficou e jamais pensei que precisaria usá-la. Não conseguia nem empurrar.
A adaptação foi outro X da questão. Pensa, num dia estou andando e no outro estou numa cadeira. Dependia dela e precisava de ajuda para tudo, não conseguia mais realizar as tarefas simples, como tomar banho sozinho.
Fiz os exames que haviam sido solicitados. No dia seguinte, outro médico disse para meu pai que não era trombose e que deveríamos ir ao neurologista com urgência. Demorou dois dias, mas pra quem está perdendo os movimentos, parece uma eternidade.
No neurologista, apresentei o resultado dos exames e ele pediu outros, porém, não disse nada sobre a doença. Fiquei mais uma vez sem saber o que estava acontecendo comigo. As pessoas perguntavam, mas não sabia responder e quis me isolar do mundo, parar a faculdade. Pensei apenas em ficar em casa, minha família entenderia, é claro. Contudo, não me deixariam desistir.
Troquei novamente de médico e fiz o exame ‘Eletroneuromiografia’, que constatou a síndrome de Guillain Barré. Mas, o que é isso? Nunca tinha ouvido falar, não sabia o que era e nem como tratava. Parece que desenvolvi após contrair o Zica Vírus. O médico chamou eu e meus pais na sala, e disse: Felyppe, são dois anos para você voltar a andar e mexer os dedos se fizer o tratamento correto. Caso contrário, pode morrer em decorrência de insuficiência respiratória.
Quando chegamos em casa, contamos para minha avó e ela chorou com os meus pais, que por sinal estavam aos prantos desde a consulta. Não aguentei, vi todos às lágrimas até minha irmã, então entrei no meu quarto e chorei, o dia todinho. Não sabia o que fazer, só ouvia louvores. Achei que minha vida tinha acabado, que daqui a pouco iria morrer. Esse era meu único pensamento.
Comecei a me tratar na APAE (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais), onde ganhei outra cadeira para me adaptar melhor, uma delas de banho. Lá, tinha pessoas com o mesmo problema, mas não queria ter contato com elas. Era difícil porque sabia que estavam sem andar há mais de dois anos, achava que isso aconteceria comigo também e me recusava a acreditar.
Na faculdade, foi um susto para os meus colegas e professores me verem chegando na cadeira de rodas, cabisbaixo e sendo empurrado pelo meu pai. Minha tia estava lá, me esperando, pois eu teria prova de Processo Penal, mas estava tão abalado que ela chorou comigo.
Contei também com ajuda da minha melhor amiga do curso, Amanda Staub, que mora em Terenos. Visitava-me todos os dias. A doença abalou meu psicológico, mas ela ficava ao meu lado até nos dias de estresse, empurrava minha cadeira pelos corredores da universidade e aguardava meu pai me buscar. Nunca me abandonou isso me deu forças, me senti querido.
Naquele momento lembrava que um mês antes, os colegas de sala me fizeram uma festa surpresa e eu estava bem, andava até. Depois me deparei em outra situação. Todos se uniram pra me ajudar, conversavam comigo e percebi a compaixão deles. Inclusive, três professores tornam-se meus amigos, passaram a me visitar em casa e me ajudar com as disciplinas.
Contei ainda com o apoio da universidade. Eles me concederam fisioterapia logo depois que perdi meus movimentos. Fiquei de outubro de 2018 a julho de 2019 na cadeira de rodas e pra sair foi outra batalha emocionante. Tive de reaprender a andar e era como se fosse uma criança dando os primeiros passos. Você cansa, tem horas que falha e não tem estabilidade. Contudo, persistia.
Me emocionava sempre, via minha imagem no espelho voltando. O que me marcou muito foi à formatura de uma prima, onde dancei a música ‘Esperando na janela’. A partir dai, voltei a andar mesmo. Hoje caminho sozinho, mas é recomendado sempre estar com uma muleta para apoiar. Tudo mudou depois da doença, ficamos mais atentos.
Hoje, aprendei a valorizar a vida, a se importar comigo e com a saúde. Aprendi a ter mais empatia, principalmente pelos que passaram pela mesma experiência. Nessa turbulência, descobri como é tentar pegar o elevador e ele não funcionar, chegar ao shopping e não ter cadeiras de rodas e não poder ia à padaria por falta de acessibilidade.
Mas, sinto que a vida voltou sorrir. Conheci minha atual namorada e ela me ajuda a superar todos os momentos. Gosto de falar que tudo na vida tem um jeito, basta ter Deus no coração. Passei a fazer exercícios para fortalecer os músculos, porém o medo de passar por isso novamente existe. Sei o quão frustrante é parar a vida e não saber o que vai acontecer, no entanto, acho que enfrentaria melhor que antes.
Continuo afastado do serviço e tenho mais tempo para minha família. Agora, minha missão é incentivar as pessoas a se cuidarem, pois todos estão passivos a isso. Dou palestras sobre psicologia emocional. Continuo os estudos, estou no sexto semestre de Direito. Minha família, amigos e professores tiveram uma contribuição imensa para a minha recuperação. Sou grato a todos. A vida voltou ao normal. No entanto, o tratamento é pra sempre".