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Comportamento

Aos 63 anos, Fatinha dispensa crochê e quer terminar a 3ª faculdade

Após se formar em Letras, Fátima cursou Direito aos 40 anos e, agora, está finalizando Psicologia

Por Aletheya Alves | 15/05/2024 07:13
Após se aposentar, Fatinha retornou ao TJMS como estagiária de psicologia. (Foto: Arquivo pessoal)
Após se aposentar, Fatinha retornou ao TJMS como estagiária de psicologia. (Foto: Arquivo pessoal)

“Não quero fazer crochê, não quero ficar em casa, quero estudar”, resume Fátima Rachel dos Santos Ricco Wassouf. Aos 63 anos, Fatinha, como é conhecida em Corumbá, está em sua 3ª graduação e, após se aposentar no Fórum da cidade, retornou como estagiária de psicologia para mostrar que “velha é a mãe”.

“Eu estava no meio de crianças de 16, 17 anos quando entrei. Tirando as partes ruins do etarismo, eu me ‘remocei’ com eles, me senti e continuo me sentindo muito feliz estudando”, resume Fatinha sobre a terceira graduação. E, mesmo gostando de fazer crochê, viajar e cuidar da família, acabou sendo "atacada" com sugestões de que ela deveria fazer apenas isso e que seu lugar não era mais na universidade.

Foi em casa que Fatinha aprendeu a gostar de estudar e desde cedo decidiu que não queria ficar para trás em relação ao pai na quantidade de cursos. “Meu pai, que era promotor de justiça, tinha três graduações, sendo direito, economia e jornalismo. Quando fiz meu primeiro curso, falei que não ia ficar atrás dele. Então, com 40 anos, entrei para o Direito”.

E, já sabendo que não demoraria muito para se aposentar, tomou coragem para completar a meta e ingressar na terceira jornada. Fátima explica que a vontade de estudar psicologia já existia há tempos, mas trabalhar em período integral impossibilitava o ingresso, já que os estudos são nos dois períodos.

“Um pouco depois que comecei os estudos, minha mãe foi diagnosticada com câncer e eu me aposentei para cuidar dela. Continuei estudando e entrei na faculdade de psicologia com 57 anos”, descreve a aluna.

Estudante conta que sempre teve apoio da família; na foto, está ao lado do marido, filha e neto. (Foto: Arquivo pessoal)
Estudante conta que sempre teve apoio da família; na foto, está ao lado do marido, filha e neto. (Foto: Arquivo pessoal)
Homenagem que recebeu na Câmara Municipal de Corumbá. (Foto: Arquivo pessoal)
Homenagem que recebeu na Câmara Municipal de Corumbá. (Foto: Arquivo pessoal)

No caminho, além dos cuidados com a mãe, ela viu sua própria saúde ficando em risco após ser contaminada pela covid-19. “Veio a covid que me tirou de campo, não consegui me formar com meus colegas em 2021 porque fiquei muito debilitada. Não voltei a dirigir, minha memória ficou fraca, fiquei mais cansada com o pulmão debilitado, tive AVC e afetou o lado esquerdo. Foi bem difícil”.

Hoje, a estudante ainda lida com marcas deixadas pela covid e que são intensificadas conforme a idade passa. “Minha memória piorou muito depois da covid, com a idade o corpo também já não consegue dar o passo que você quer e é por isso que estar firme, me concentrando é tão bom”, comenta.

Apesar de precisar fazer uma pausa, ela seguiu com os estudos e explica que além da saúde, o etarismo também é uma pedra no sapato e das grandes.

“Até no curso de psicologia eu sofri etarismo. Fiz uma pergunta para um professor e ele disse que era sem noção, depois insisti e ele me respondeu. No fim, veio me perguntar o que eu estava fazendo lá sendo que já tenho duas graduações, questionou o motivo de eu não estar viajando, fazendo crochê, cuidando do marido, dos filhos e do neto”, explica Fatinha.

Longe de ser algo isolado, ela relata que questionamentos do tipo sempre retornam e o jeito é continuar repetindo que estar ali é uma decisão sua e de mais ninguém. “Meu pai sempre disse que a gente faz ginástica para o corpo e para a alma, mas e a ginástica mental? Nós precisamos deixar a mente com saúde, ler, participar das coisas”.

Com isso em mente, Fátima até pensa em garantir sua 4ª graduação, mas por enquanto, a ideia é terminar psicologia e aproveitar o neto.

“Vamos ver mais para frente, gostaria de fazer pedagogia, mas agora minha paixão é meu netinho e dá para aproveitar de tudo um pouco. O que eu quero dizer também é que não sou inativa, sou aposentada e não quero ficar parada. Por isso, eu amo estudar, amo estar com as pessoas e com a minha família”.

Vida no Tribunal de Justiça de MS

Inspirada pelo pai, João Ricco, Fatinha narra que toda sua vida se conecta ao Tribunal de Justiça, isso porque tanto seu pai quanto seu marido também se relacionam com o órgão.

E, sobre a rotina, desde a intensidade dos trabalhos até as próprias relações poderiam ser complicadas. "O que me animava era que, neste tempão todo de trabalho, havia alguns juízes humanos e uma juíza também, muito querida. Nesse tempão de trabalho aprendi 'o que fazer e como ser' e também aprendi 'o que não fazer e como não ser'".

"Trabalhei, trabalhei, sofri, chorei, me alegrei, casei, fui mãe, fui processada, venci e consegui me aposentar com muita garra e fé de que fiz um bom trabalho e respeitei a todos, até quem não merecia meu respeito", detalha Fatinha.

A servidora aposentada comenta também que sempre é necessário manter a sensibilidade durante os atendimentos. "Ninguém vai ao Fórum a passeio. Se aparecem lá é porque possuem um problema e precisam ser bem atendidos para não saírem com dois problemas. O trabalho de atendimento ao jurisdicionado é tão importante, pois lidamos com pessoas e não papéis. Sempre falei aos meus colegas que cada processo era uma vida e deveria de ser respeitada, não importava a gravidade da questão".

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