Aos 77, Carmem vende salgados com sonho de morar em casa sem goteira
Com as pernas tomadas por varizes, ela empurra carrinho todo dia e aprendeu a ler e escrever o nome sozinha
Empurrar um carrinho de 30 quilos todos os dias não é para qualquer um. Mas dona Carmem Soares não tem outra alternativa. Nem os 77 anos de idade, as dores na coluna, Hérnia umbilical e as duas pernas tomadas pelas varizes param a senhorinha que ganha a vida vendendo lanches.
De longe, dá para ver a dificuldade de cada passo lento, até chegar a casinha de madeira azul, na região da Feira Central.
Assim, ela vai vencendo a vida, há 48 anos, antes em restaurante, depois com isopor nos ombros, agora com o carrinho e o chapéu florido na cabeça, rodando pelo bairro São Francisco. Hoje, consegue vender 20, no máximo, 25 salgados em um lava-jato em frente à Feira Central. "Tá tudo muito caro, então tenho de cobrar R$ 4 no salgado. Por isso vendo menos hoje", diz.
O filho também é um batalhador, trabalha o dia todo como garçom e ainda faz extras como segurança de eventos. "Ele é tudo na minha vida, meu melhor amigo, meu grande parceiro. Não me deixa faltar nada. Levanta cedo pra fazer café. Ele nem gosta que eu trabalhe, mas assim eu ajudo com as despesas da casa", diz a mãe orgulhosa.
Entrar na casa dos dois é ver o contraste entre o capricho na arrumação de cada cantinho e pedaços do teto caindo pela casa de madeira. A novidade dos últimos tempos é o tanquinho comprado para acabar com anos lavando roupas à mão.
Pelas paredes, Jesus, Nossa Senhora Aparecida e o Papa João Paulo II em destaque. Paraguaia, ela diz que é muito religiosa, mas "burra". "Eu poderia até ser rica, mas sou burra, fugi do Paraguai quando era mocinha, depois que meus pais morreram. Eu não entendia nada, não sabia nem ler e escrever".
Mas de burra, dona Carmem não tem nada. Aprendeu a ler olhando placas e sempre se recusou a colocar as digitais no lugar da assinatura. Por isso, tentou, tentou, até escrever o nome completo.
Também quer mudar de casa e fica "namorando" o imóvel da frente, ainda em reforma. Uma casa de alvenaria, com 2 quartos, bem simples, mas sem rachaduras no teto e com cozinha grande para vender marmitas e aposentar o carrinho. O problema é o aluguel, quase o dobro do atual. "É meu sonho, sempre vivi por aqui e não quero deixar o São Francisco", revela.
Pelo bairro, é a "Carmem do Pastel", apesar de vender vários tipos de salgado. Na pandemia, mãe e filho ficaram só com o valor da aposentadoria de Carmem. "Eram mil reais para pagar aluguel, gás, água, luz e muitos, muitos medicamentos. Tomo até para o coração, todo dia", explica.
Mas a senhora querida não passou aperto por muito tempo. Cada vizinho doou um pouco e a geladeira voltou a ter comida.
"Sabe filha, tem muita gente boa nesse mundo. A gente tem que acreditar nisso. A vida não é fácil? Não é não, mas já vi tanta coisa boa, tenho um filho tão maravilhoso, que empurrar esse carrinho é uma vitória para quem já vai completar 78", diz.
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