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Comportamento

Após ficar na mira de arma, Rosa se livrou da droga para ter filha

Luto, dependência química e violência física marcam história da mulher que agradece a Deus por estar viva

Jéssica Fernandes | 03/02/2023 07:05
'Rosa' sentada no sofá relata experiência e mudança de vida. (Foto: Jéssica Fernandes)
'Rosa' sentada no sofá relata experiência e mudança de vida. (Foto: Jéssica Fernandes)

*Rosa tem uma história dividida em incontáveis capítulos dolorosos. Luto, crime, dependência química e violência física marcam as vivências da mulher que passou dos 50 anos e se sente grata por continuar viva.

Nas últimas três décadas, Rosa deixou o passado para trás, mas não o esqueceu. Ela o resgata frequentemente para ajudar pessoas que enfrentam os mesmos problemas que um dia ela encarou sozinha.

Na série Voz da Experiência, ela narra como ‘saiu’ da dependência química, a dor de perder três filhos e o recomeço como mãe de um casal de filhos e avó.  Ela também conta como a filha mais nova, que tem 30 anos, a fez querer recomeçar.

Durante entrevista, ela segura e aperta os dedos da mão. (Foto: Jéssica Fernandes)
Durante entrevista, ela segura e aperta os dedos da mão. (Foto: Jéssica Fernandes)

"Deus me deu essa filha para eu sair da droga, foi uma puxada de mão. Hoje ela é formada, concursada, então foram muitas experiências. Quando conheci o pai dela, tanto eu quanto ele éramos usuários e daí engravidei.

Tomaram meu filho de dentro da maternidade, porque minha família me rejeitou, não tive aquele apoio. Quando fiquei gestante minha mãe falou que não queria filho de drogado na casa dela e eu não tinha pra onde ir. Então quem cuidou dele foi o pai e a avó. 

Aí quando engravidei da minha filha foi um desespero muito grande porque falei: ‘Poxa vai acontecer tudo de novo, vou perder mais um filho’. Pra mim era o fim, aí busquei forças, orei bastante pra não perder essa filha

Quando essa minha filha estava adolescente o pai dela largou de mim e eu saía daqui e ia pra Júlio de Castilho e Monte Castelo trabalhar de bicicleta. Eu tenho uma bicicleta partida no meio, sofri dois acidentes trabalhando.

É um presente de Deus na minha vida, ele não vai vir carne e osso, mas de certa forma ele aparece e fala com você. Essa minha filha foi uma forma de Deus falar comigo e me despertar para sair dessa vida.

A experiência que tive é pra trabalhar com as pessoas, tive que passar pela depressão, morei embaixo da ponte quando perdi minha primeira filha. Eu perdi três filhos.

Todos dentro da barriga mesmo. A primeira minha que perdi estava grávida de oito para nove meses, muito sofrimento, muita fome, muito sofrimento. Foi no rio, eu morava embaixo da ponte. Estamos brincando no rio e me afoguei e perdi ela. A outra foi de pancada mesmo, me espancaram. 

A mulher anda pelo corredor da casa, que é uma das conquistas que celebra. (Foto: Jéssica Fernandes)
A mulher anda pelo corredor da casa, que é uma das conquistas que celebra. (Foto: Jéssica Fernandes)

Quando vivi naquele mundo não tive apoio, não tinha casa, não tinha nada. Eu fui criada no Nhanhá e o que me levou a ir foi meu pai, quando perdi meu pai ali começou, eu tinha 11, 12 anos. Eu comecei a ficar muito triste porque eu amava meu pai, era muito apegada com meu pai.

A droga é tipo uma muleta, você faz isso por causa disso. Então aí foi meu pai, depois já conheci o pai dos meus primeiros filhos que foi o que me levou a fazer essa coisa errada. Ele era usuário, traficante, chegamos a ser presos, cheguei a ser presa por causa da droga.

Eu fui uma mulher que vivia na mira de revólver, eu corria de polícia ou de bandido. Um dia fiquei no posto do Jockey presa porque a polícia tinha me visto e eu me escondi lá. Meu testemunho não é pra todos que eu falo porque tem pessoa que não vai acreditar no que vivi. 

Deus me guardou dentro do Paraguai porque eu ia morrer lá dentro, armaram uma emboscada pra mim quando eu estava numa fazenda para buscar droga, eu vivia assim.

Eu estava grávida, os caras ficaram com o revólver na minha cabeça, queriam o pai do meu filho, fiquei ali quietinha, suava bastante. O pai do meu filho foi lá, pegaram ele, bateram bastante. Meu filho tinha cinco anos quando ele morreu.

Acho que a primeira vez que fumei foi no Paraguai. Eu já estava indo fazer tráfico. Eu fumava maconha, daí você vai, não tem uma coisa você faz outra para cobrir.

Você acha que precisa daquilo, que se você não tiver aquilo dali, você não é a pessoa que você é, você não é feliz. É tudo ilusão, porque depois acaba, você não se tornou nada, você não tem nada. Eu não adquiri nada na droga, só me acabei.

Eu tive que fazer programa também por causa da droga, mas eu não ganhei nada com aquilo. Eu já não aguentava mais essa humilhação, era angustiante, eu não tinha apoio.

No quintal, ela guarda bicicleta que usava quando sofreu acidente. (Foto: Jéssica Fernandes)
No quintal, ela guarda bicicleta que usava quando sofreu acidente. (Foto: Jéssica Fernandes)

Você só vai entender a dor do outro se você passar por aquele problema, se você não passar, você não vai saber, é mentira. Passei por aquilo ali pra saber e entender o que eles passam. Muitos deles estão ali e a família não quer saber. A parte que mais me revoltou foi a minha família não me ajudar. 

Como Deus tinha um projeto muito lindo na minha vida, ele não deixou que eu morresse, porque eu ia morrer.

Eu sofri muito pra sair, mas fico feliz porque isso me deixou forte. Tudo na vida é experiência, eu nem sabia que Deus estava me preparando.

Eu tenho esse trabalho, eu vou, eu ajudo, é o que eu gosto, gosto de estar tentando ajudar eles de alguma forma, com alguma palavra. É um trabalho meu, de dentro de mim. 

A minha história é muito triste, uma história assim fantástica eu acho, porque hoje eu já sai de tudo. Às vezes eu dou meus testemunhos e falo: 'Você pode ter outra oportunidade de vida, ser outra pessoa, ter uma casa, uma família, você pode, é só querer. Hoje eu tenho uma casa, trabalho no dinheiro e no social que é o que amo fazer.

Eu to cuidando de um irmão e tá uma luta muito grande pra ele sair, pra ele se recuperar da droga. Pra uns é mais fácil, pra outros é mais difícil.

A pessoa tem que querer muito e lutar muito porque não é fácil, porque vem as oportunidades pra você voltar e uma coisa puxa a outra 

Eu vivo na minha casinha hoje e sou muito feliz pela experiência que Deus me deu. ‘Ah, por quê Deus deixou?’ Deus deixou porque eu tinha que aprender mesmo, eu tinha que ajudar outras pessoas… se servir pra outras pessoas o meu testemunho".

*Rosa  é um nome fictício para preservar a identidade da personagem e de terceiros.

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