Após guerra na eleição, quebra-pau em grupo da família é sobre covid
Separada em níveis, as brigas são sobre quem acredita ou não na pandemia, faz ou não o isolamento e chega até o "kit covid"
Passada as eleições, quando os ânimos pareciam finalmente se acalmar, o coronavírus trouxe um novo capítulo às guerras nos grupos de família. Não que um assunto não seja consequência do outro, mas o fato é que conviver, ainda mais em quarentena, está cada vez mais complicado.
O coronavírus elencou em níveis a discussão. O primeiro deles era acreditar ou não na pandemia, seguido de quem enxergava o isolamento social como "exagero" e continuou levando vida normal versus aqueles que seguem à risca a quarentena e não saem de casa desde março.
A treta também passou pelo que cada um considera "essencial" para si, e agora chega ao clímax do enredo: tomar ou não os tais dos "kits covid", que não tem comprovação científica de sua eficácia. Claro que todas as etapas vieram com uma enxurrada de fake news, que tem sempre aquela tia que insiste em sustentar como a verdade, só porque elas acreditam naquilo, mesmo quando há sites oficiais desmentindo.
Assistente social, Lidinez Branco, de 31 anos, descreve a situação como sendo a "sensação mais louca possível". No núcleo familiar de casa - pai e mãe - Lidinez conta que a pandemia ganhou proporção por conta da artrite reumatoide e fibromialgia da mãe. "Ela faz tratamento com imunológico que acaba diminuindo a imunidade dela e eu tenho que tomar a responsabilidade de cuidar de todos em casa, como lembrar o meu pai, que ainda não acostumou a ser rigorosamente cuidadoso, de usar a máscara, deixar a roupa lá fora", exemplifica.
Mas a guerra está instalada, principalmente com a divergência de posições . "Meu pai saiu em defesa de tudo aberto, todos trabalhando, que a economia não podia parar, e isso porque ele é trabalhador do coletivo, tem contato direto, mesmo a gente mostrando os pontos que o desfavorecia na questão saúde, mas o argumento era sempre outro, que ia na contramão do isolamento. Hoje em dia ele já não entra na discussão sobre política. nem pandemia. Talvez tenha se conscientizado, mas às vezes dá aquela cutucada", descreve.
Em uma família que pediu para não ser identificada, a guerra chegou à separação. Casados há 27 anos, os pais da jornalista que deu seu depoimento se separaram. "O casamento já não ia bem há muito tempo. Eles já tinham tido tentativas de separação em outras ocasiões, mas nunca tinham, de fato, se separado", contextualiza.
Na pandemia, o pai é do estilo cuidadoso ao extremo, já a mãe, faz o tipo "nem aí". "Ela saía, ia bater perna, chegava em casa e ia dormir. Ele ficava muito de cara, porque é perigoso e está se cuidando tanto, mas minha mãe não se cuidava nada. E isso foi o estopim para eles se separarem", conta. O pai até já se mudou de casa.
Especialista em marketing digital, uma jovem de 30 anos, relata sua convivência também com o pedido de não ser identificada, e a gente entende o porquê. "No começo na quarentena eu entrei de férias da empresa e fui ficando só em casa, eu não convivia antes tanto tempo em família, e de repente a gente passou a conviver mais. Era café da manhã, almoço e janta e eu fui tendo crises de pânico quando sentava à mesa, porque agora não era mais só grupo de Whats, eu convivia mais e os nossos pensamentos são muito diferentes", fala.
A preocupação ouvida dentro de casa era em relação à economia e que a vida tinha que seguir normalmente tendo pandemia ou não. "Falavam que eu só era a favor do lockdown porque tinha posição privilegiada, de trabalho, de carteira assinada, e por um lado eu concordava com eles, mas por outros, via um posicionamento política que eu não concordo e isso acabava me afetando diretamente. Tive até que procurar ajuda profissional".
A jovem está no terceiro mês de uso de medicamento antidepressivo e também ficou desempregada. "Agora eu estou tentando conviver da melhor forma possível e a maneira que eu encontrei foi de me afastar dos almoços, do jantar, do café, para conseguir viver em paz e isso não me magoar tanto. Também estou fazendo terapia, não é porque é a minha família que eu preciso me permitir ser tão afetada desse jeito. Não posso deixar que eles façam isso comigo", conclui.
Da turma do "eu avisei", a professora Anna Paula Garcia é das que veste a camisa mesmo em meio às discussões, no sentido literal do "vestir". E justamente quando fomos entrevistá-la, ela tinha um exemplo na ponta da língua.
"Hoje mesmo tive problema com um familiar, que trabalha em hospital, ele acha que não devemos tomar cloroquina, eu também acho que não, mas ele diz que tem que sair, que eu sou muito neurótica com a família, que tem que sair, tem que fazer exercício físico, que a gente só fiaca dentro de casa, e eu acabo brigando mesmo. Eu bato muita boca sim, eu gosto de uma treta", explica.
A mesma polarização política que divide o País, também chegou à pandemia, na visão dela. "E isso é muito triste, por conta da polarização se banalizou a morte também. A gente está com quase 80 mil brasileiros irmãos, mortos. Estamos no auge da pandemia em Campo Grande e tem gente que não acredita, que diz que não é tudo isso e a presidência contribuiu para a população não acreditar na doença, achar que é só uma gripezinha, na automedicação com cloroquina, a negação pela ciência, o não uso da máscara...", diz.