Após tragédia da Chapecoense, Henry viaja para pagar promessa
Colombiano foi um dos voluntários na cidade onde o avião caiu; agora, é o viajante que sonha chegar à Chapecó
Foi naquela semana do dia 28 de novembro de 2016, quando o avião que levava o time da Chapecoense caiu no morro El Gordo, a apenas 35 quilômetros do aeroporto de Medelín, que o artista plástico Henry Magont não pensou duas vezes: com o dinheiro que tinha em mãos, comprou uma passagem só de ida direto do Panamá de volta à sua terra natal Colômbia.
Sensibilizado com a tragédia que não somente ceifou 71 vidas, mas devastou famílias, assolou "hermanos" brasileiros e colombianos e ainda culminou em diversas homenagens espalhadas pelo mundo – inclusive no próprio estádio onde seria a partida –, Henry se voluntariou na ocasião para auxiliar da forma que pudesse. E de fato ajudou: falando português.
"Me colocaram no papel de intérprete pois nas minhas andanças pela América do Sul, especialmente o Brasil, eu aprendi a falar o português brasileiro. Assim, quando cheguei, solicitei à defesa civil que me colocassem como voluntário", relembra.
Durante 2 semanas, acompanhou praticamente todos os envolvidos, conhecendo diversos brasileiros – entre políticos, especialistas, esportistas, famílias das vítimas e outros fãs que, assim como ele, também se sensibilizaram com a tragédia.
"Sou uma pessoa bastante emotiva. Admito que chorei vendo tudo aquilo, porque era impossível não se emocionar. Foram tantas mortes e forma tão cruel… e diferente dessa pandemia, na época pude confortar as pessoas com um abraço. Não tem jeito mais carinhoso e humano do que isso", confessa.
Na situação, Henry fez uma promessa: algum dia ainda iria conhecer Chapecó, conhecer o clube e reencontrar pessoas que nunca soube quem eram e provavelmente não as veria novamente, mas deixaram marcas no seu coração a ponto de querer revê-las na "sorte". Passado 4 anos do acidente, o artista colombiano resolveu, em 2020, embarcar nessa viagem prometida como já havia feito tantas vezes na sua vida – entretanto, sequer imaginava que uma pandemia iria dificultar os planos.
"É uma situação de crise geral. Não apenas aqui em Campo Grande, onde estou há quase 4 meses, mas lá em Santa Catarina também, onde é meu destino final. Muita gente está morrendo. E eu ainda não sei bem o que fazer pois o dinheiro encurtou já que as vendas das pinturas paralisaram e tenho muita coisa para transportar na viagem. Quem me dera poder sair agora e ir à Chapecó, mas tenho que fazer isso na calma, no momento certo", confirma.
Em Cáli, cidade onde nasceu e viveu até certo tempo, Henry estudou artes plásticas mas nunca se formou. Mesmo assim se tornou o artistas que produz quadros diferenciados: sua técnica, que mistura pintura e escultura, faz o desenho em duas dimensões (2D) ganhar volume e forma geométrica em terceira dimensão (3D).
"É uma arte exclusiva minha, que fui aperfeiçoando durante os anos. É a expressão do meu espírito, que levarei comigo até o final da vida", assegura.
E desde que era mais jovem, lá pelos seus 19 anos de idade, Henry viajou por tudo que é país da América Latina, e até subiu para alguns países da Central. "Só ainda não conheci as Guianas, mas algum dia há de riscar da lista", brinca. Agora que já chegou a maturidade, com 60, o artista já viveu muita coisa.
"Fiz exposições em shoppings e centros comerciais, ganhei condecorações e participei de várias entrevistas ao longo dos últimos anos. Vendi muitas das minhas tela também", garante. Sobre valores, algumas de suas obras chegam a custar de R$ 10 a 15 mil, outras mais baratas, entre R$ 3 e 4 mil. "É muito relativo pois o que varia é o tamanho do quadro e o tempo que levo para finalizar o trabalho", explica.
Além de brincar com o 3D, seu trabalho também é sustentável pois Henry trabalha com materiais que encontra na rua e, de maneira reciclável, transforma em arte. "Uma vez em Manaus, uma europeia compra uma coleção inteira minha. Assim vou sobrevivendo. Faço minha arte, vendo meus quadro e posso viajar e conhecer diferentes lugares que me inspiram", diz.
Entre pandemia e sonhos – Decepção, solidão e crise financeira. É assim que Henry vem sentido do ano passado pra cá. Antes de chegar a Campo Grande, estava em Rondonópolis e, anteriormente, em outro destino… e assim em diante. "Mesmo com as dificuldades de agora, de não vender tantas telas, estar apertado de grana, de ter malas, materiais e quadros prontos para transportar, ainda assim minha promessa de chegar em Chapecó continua. No final da vida, quero descobrir a paisagem mais bonita para, na hora de fechar os olhos e descansar eternamente, posso ter ela como memória".
Na Colômbia, Henry tem uma filha que mantém contato sempre que possível, por telefone. Ele não desmente sentir saudade da sua terra natal, porém não consegue verbalizar isso de maneira clara. Afinal, "o mundo me sustenta", reflete.
"Minha filha fica preocupada com o velho pai aqui, mas prefiro não dizer como estou agora. Na verdade está tudo bem. São apenas pedra no caminho. Sou eu mesmo que tenho que me virar, e não ela se desdobrar para me ajudar. Nunca pedi dinheiro emprestado, mendiguei ou fui em prefeituras das cidades que conheci. Prefiro continuar me sustentado do jeito que sempre fiz durante minha vida toda, transitando toda a América do Sul. Sou feliz com o que Deus me deu", garante o artista.
O colombiano não consegue afirmar e prefere "deixar fluir", mas quem sabe ao chegar na cidade catarinense e conhecer a "Chape" ainda produzirá um quadro especial, para que fique de presente aos habitantes? "A vida é dessas que dá e tira, então precisamos saber curtir os momentos sempre que possível", opina sobre seu jeito de peregrino "indomado".
Após cumprir sua promessa com a Chapecoense, Henry já escalou a próxima jornada: "vou até o Uruguai e de lá viajarei para a Europa. Sempre foi um sonho meu ir até lá e acho que, nos meus 60 anos, preciso ainda realizá-lo", finaliza.
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