Brinquedo na caixa e assassinos vivendo ao lado são lembranças diárias de Dudu
Os anos não mudaram a paisagem na Rua Damianópolis, no Jardim das Hortênsias. Nem uma tragédia na bairro em 2007 foi capaz de transformar a vizinhança, as famílias continuam no mesmo lugar. No bairro, a ferida parece ter criado casca, mas sangra toda vez que as duas partes dessa história se encontram. Apesar da proximidade fazer mal, continuar ali foi a maneira de sobreviver.
Eliane Aparecida Nascimento Martins, hoje com 42 anos, diz que a única diferença na rotina é que hoje "trabalha 24 horas" por dia. Não quer tempo sobrando para lembrar do que aconteceu com o filho, Luiz Eduardo Martins Gonçalves, o Dudu, assassinado há quase 9 anos, depois de uma sessão de tortura e espancamento.
Mas não tem jeito....Ali, na rua dos fundos, ainda moram dois dos acusados de participação no crime, que chegaram a ser presos ainda adolescentes, e agora estão em liberdade. Na casa onde o menino morava, outra lembrança são os brinquedos e cadernos de escola, guardados como relíquias pelo irmão.
A mãe e o pai do garoto até tentaram viver longe, mas voltaram, primeiro Eliane, e agora Roberto Gonçalves está de mudança para o Jardim das Hortências.
Dudu tinha apenas dez anos quando desapareceu. O caso só foi solucionado em 2009, depois do testemunho dos próprios vizinhos, que por muito tempo se calaram.
A relação dela com o bairro nunca mais foi a mesma, mas preferiu continuar ali pelo que restou de bom. “Eu não aceitei me entregar. Me dedico ao máximo ao meu trabalho, hoje tenho meu bar, faço feijoada aos sábados, baile aos domingos, tenho bons amigos e todo mundo me conhece. Tento a todo instante me distrair, porque eu sei que a qualquer momento em que eu fique sozinha ou sem nada para me ocupar, eu me lembro de tudo que aconteceu e desabo”, chora.
Nada foi de imediato, ela lembra que por um bom tempo precisou se afastar. “Depois de tudo o que aconteceu eu me mudei para Coxim e por lá eu morei por pelo menos um ano. De volta a Campo Grande eu ainda fui morar no Bairro Tijuca, na Vila Piratininga, até decidir vir para cá”, conta.
O retorno foi a decisão para não ficar distante também dos outros dois filhos, e do ex-marido, o aposentado Roberto Gonçalves, de 66 anos, um bom amigo até hoje. Mas a morte ainda é conversa impossível na família. “Nós nunca mais tocamos nesse assunto. Parece que criou-se um abismo entre nós depois de tudo o que aconteceu. Mas eu ainda preciso ficar perto deles, porque eles ainda dependem do meu apoio. Eles se casaram, construíram suas famílias, mas não criaram independência”, diz.
Perto do bar, ainda vivem dois dos envolvidos na morte de Dudu, que confessaram agressão a socos e pontapés, segundo eles, a mando de Aparecido Bispo da Silva, o "Cido", o ex-namorado de Eliane que armou o plano por vingança.
Dor, revolta, impotência e mais um misto de sentimentos dolorosos é o que ela diz sentir, toda vez que vê os dois soltos. “Eu me sinto uma inútil ao ver eles andando pela rua ou no supermercado, aparentemente tão bem e eu sem poder fazer nada. Saber que a mãe deles também vive ali e faz de conta que nada aconteceu.... O rancor de aceitar a convivência de todos na mesma vila retorna toda vez que eu os vejo”, se queixa.
Eliane também tem de conviver com Maria de Fátima Leandro, a Marlene, que na época do crime era considerada uma amiga. Ao longo das investigações, o inquérito mostrou que a vizinha havia presenciado o espancamento do menino, mas ficou calada. Marlene também foi presa em 2009, mas no mesmo ano voltou para casa.
“O ser humano tem horas que se acovarda demais. Então mesmo assim eu me pergunto o porque não denunciaram antes? O porque não ligaram, mesmo que anonimamente. Se eles tivessem feito feito isso, o caso poderia ter sido solucionado mais rápido”, conta Eliane.
Hoje, quem vive no antigo endereço da família de Dudu é Alexandre, com a esposa e o filho, ainda de colo. Ele era apenas 2 anos mais velho que o irmão caçula. Talvez por isso, a ausência fique mais latente quando Alexandre brinca com o filho.
“Como tínhamos quase a mesma idade na época, nós eramos muito próximos, brincávamos muito. Ele era o meu melhor amigo, então toda vez que eu olho para o meu filho, eu imagino que ele também poderia estar brincando com o sobrinho hoje em dia”, comenta.
Cruzar com os envolvidos no crime se tornou inevitável, um tormento. “Eles usam o argumento de que não tiveram culpa, de que foram forçados a colaborar, só para justificar o fato de que eles passam todo o dia aqui em frente de casa".
O tempo não volta, Alexandre não perdoa, mas tenta não fazer da vida um fardo. "Eu simplesmente ignoro a versão deles, não acredito e todo mundo sabe que eles tiveram sim, envolvimento. Claro que eu sinto muita raiva quando vejo eles, mas resolvi entregar para as mãos de Deus”, diz.
Em um dos quartos da casinha muito simples de 5 cômodos, ele prova que nunca esqueceu de Dudu. No armário, ainda está guardado o presente de Natal do caçula. Dudu desapareceu no dia 22 de dezembro, teve pouco tempo para brincar com o lava-jato miniatura que ganhou da madrinha, um dia antes do sumiço. A mochila com todos os cadernos do garoto, que cursava o quarto ano no colégio, também permanece intacta, assim como o primeiro carrinho de controle remoto, vermelho, e que era o seu favorito.
No guarda-roupas velho, ainda está a foto mais conhecida de Dudu, com a mesma camiseta azul que ele usava no dia do desaparecimento. “Era essa mesma camiseta, com um shorts amarelo que ele estava usando”, aponta Alexandre, emocionado. “São essas lembranças boas do meu irmão que me mantem aqui até hoje. Tem dias em que eu entro nesse quarto e mecho em tudo isso, mas a verdade é que tudo aqui ainda lembra ele”, diz o rapaz, com a voz embargada.
Alexandre é pintor na construção civil, mas atualmente está desempregado. Luis Gustavo, o filho mais velho dos três irmãos, mora com a esposa e o pai no Parque Lageado. Mas em breve, o senhor Roberto Gonçalves, pai de Dudu, também vai retornar para o Jardim das Hortências, para morar com o Alexandre na antiga casa.
Ele também quer ficar perto dos amigos que o apoiaram após o crime, do filho e da amizade que preserva por Eliane e o atual marido dela.
“Eu construí minha vida aqui e apesar de tudo eu sei que ainda temos bons amigos que foram muito solidários conosco na época. A própria Eliane e o atual esposo sempre nos ampararam, por conta de um respeito que sempre existiu de ambas as partes”, comenta.
De fala mansa, o senhorzinho simpático conta que após a morte do filho deu continuidade ao processo de aposentadoria para descansar de seus mais de 36 anos trabalhando como garçom. Para ele, é bom lembrar ainda hoje da gentileza e do carisma de Dudu quando criança. “O Dudu era muito querido, se dava com qualquer pessoa, com os coleguinhas na escola. Para quem chegava ele dava bom dia, boa tarde e eu acredito que essa simpatia ele herdou de mim”, diz tímido.
O retorno ao bairro faz parte do processo de superação que ele sabe que vai ter de lidar para sempre.
“No começo eu fiquei muito triste com o que se passou. Perdemos nosso caçulinha de uma forma tão inesperada, mas aos poucos a gente vai superando. Eu tento não guardar rancor de tudo que fizeram para ele, mas da forma como tudo aconteceu não é facil”. Nove anos depois, as lágrimas ainda caem com facilidade.
O crime - O Caso Dudu ganhou repercussão não só por envolver uma criança. Trapalhadas da polícia também fizeram a fama da investigação. As buscas ao menino demoraram a começar por conta do feriado de fim de ano. Quando os investigadores resolveram agir, já não havia sinais dele.
Quinze meses depois, o caso voltou à tona porque um adolescente comentou dentro de uma Unei que havia participado do crime. Depois, levou a polícia até o local onde o garoto foi enterrado.
De acordo com o inquérito, dois adolescentes, o jovem Holly Lee e Cido espancaram Dudu até a morte na noite do dia 22 de dezembro de 2007. Um sábado, por volta de 23h30.
Cada um dos envolvidos no espancamento ganhou R$ 100,00, pagos por Cido.
Eles começaram a bater em Dudu na rua, continuaram o espancando na casa de Cido e finalizaram com a morte, em um terreno baldio. A cena foi testemunhada por Maria de Fátima, a Marlene. O motivo seria vingança contra a mãe de Dudu, ex-namorada de Aparecido.
A vizinha só contou a verdade quando a Polícia já havia esclarecido o crime e disse que era ameaçada de morte por Cido.
Holly Lee e Cido são os únicos que continuam presos.
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