Cabeleireiro da velha guarda, Elizeu vira figura no bairro contra a covid
Há anos ele corta o cabelo dos moradores, mas chamou mais atenção na pandemia pelo ritmo de cuidados
No Jardim Leblon, o cabeleireiro Elizeu Antonio Ramires, 47 anos, atende a freguesia com máscara de gás e nem se importa com os olhares. Seu esquema de EPI (equipamento de proteção individual) vai de máscara de gás à óculos de ciclista que "lacra" tudo, isso sem falar de muito, mas muito uso de álcool líquido no vai e vem entre cada cliente.
E sua lista protocolar é grande. Faz a limpeza de todos os objetos utilizados, máquinas, tesouras, higieniza a cadeira, chaves e até dinheiro. Nem o espelhinho não escapa dessa. Na hora do corte, faz o seu "preparo": com um pedaço considerável de papel higiênico, enrola no pescoço do cliente antes de colocar a tradicional toalha de cabeleireiro. Ao seu lado, uma lixeira só para as que ficarem sujas. A cada freguês, uma nova bateria de higiene
"Agora só ando de cabeça raspada para que não haja o risco do meu próprio cabelo ser um meio contaminante. Imagina se essa moda pega…", brinca.
Tudo isso pode até parecer paranoia, mas ele garante que não é. "O vírus está aí e a coisa é séria. Não é uma questão de eu ser 'cabreiro' ou não, é uma questão de segurança tanto para mim quanto minha freguesia na hora do atendimento. Sei que nosso momento de irmos dessa vida está marcada por Deus, mas é melhor não arriscar à toa como muita gente anda fazendo", opina.
Antes de qualquer pandemia, entretanto, ele já utilizava há 21 anos o mesmo espaço de 14m2 para atender um cliente por vez. Porém, em tempos de covid, agora só com horário marcado. "Mas se for família, tudo bem. Além de mim, pelo menos duas pessoas a mais. É o máximo que atendo", garante Eliseu.
O ar-condicionado "torando" deu lugar à porta aberta e climatizador. Isso sem falar das embalagens de álcool espalhadas pelo salão de pequenas dimensões. Com isso, quem passa pela calçada acaba por se deparar com a cena de um cabeleireiro pra lá de paramentado. "Já teve até criança boquiaberta que ficou do lado de fora do gradil olhando aqui pra dentro. Chega a ser engraçado", comenta.
A máscara que Elizeu utiliza não deixa de ser a tradicional N95, de categoria hospital, porém no formato de respirador facial. Ao invés de descartá-la, ele apenas troca o filtro que fica no compartimento único. Assim, desperdiça apenas o que já foi usado e fica protegido 95% das partículas transportadas pelo ar.
Claro que as medidas que Elizeu tomou desde o início da pandemia, a mais de 1 ano atrás, não agradaram todo mundo, não. "Já teve quem veio ao salão com hora marcada, se deparou comigo e com esse novo jeito de atender e preferiu nem cortaro cabelo. Na época eu até entendi pois era muito no início da covid e as pessoas ainda estavam se adaptando ao 'novo normal' de agora, de márcada e tudo. Porém, muito tempo já passou, e isso não pode ser mais uma justificativa. Mas fico feliz que a maioria dos meus clientes não é desse jeito e tenho uma clientela forte", agradece.
É o caso de do advogado Walter Ayala, 61 anos. Morador da região, só foi descobrir o salão de Elizeu por indicação de amigos, isso há 5 anos. Desde então, não passou mais em outro lugar. "Todo mundo que conheço corta aqui com ele. Aqui é um pouco de tudo, tem atendimento bacana, conversa boa, fora o corte de cabelo em si que me agrada muito", conta.
Sobre as regras do cabeleireiro devido à pandemia, Walter confirma: "você não vai ver isso em outro lugar algum. Isso dá uma segurança tremenda. Os cuidados que ele toma mostra o ser humano que ele é", elogia.
Com a mãe e o padrasto idosos, ela com 78 anos e ele com 82, Elizeu garante que prevenção é o melhor remédio. "Eles têm comorbidades, principalmente minha mãe que é diabética e hipertensa, então o papo é sério. Quando veio a vacinação deles dois, nossa, me senti um gigante! Claro que mesmo assim tudo que eu faço aqui no salão em termos de segurança ainda hão de continuar. Não é somente por causa deles ou minha própria, mas tem os clientes, suas famílias e vidas em jogo", diz.
A pandemia que até poderia ter dado uma caída ferrenha no negócio do cabeleireiro não foi assim tão "cruel". Segundo conta, sua clientela é familiar, do bairro, e todos ali já o conhecem de longa data. "Afinal, são 27 anos de profissão", se orgulha.
Mesmo assim, Elizeu afirma que teve que subir seu preço depois de 5 anos. "Mas só R$ 5 a mais. Segurei bastante para chegar nessa decisão", desconversa. De R$ 20,00, o corte passou a custar R$ 25,00 – um preço que Walter considera justo. Então tá tudo bem.
Para finalizar, o cabeleireiro deixa uma mensagem: "essa motivação que eu tenho de não deixar a peteca cair, de continuar com os protocolos aqui no salão, de cuidar de mim e dos outros, é mostrar que é possível valorizar os cuidados, valorizar a vida. Principalmente, que é possível até mesmo cortar o cabelo sem nem que o cliente tire a máscara".
Da "velha guarda", como Elizeu se intitula, agendamentos são feitos apenas pelo telefone fixo (67) 3385-6643. O endereço fica na rua Clineu da Costa Moraes, 375, no Jardim Leblon.
Curta o Lado B no Facebook e no Instagram. Tem uma pauta bacana para sugerir? Mande pelas redes sociais, e-mail: ladob@news.com.br ou no Direto das Ruas através do WhatsApp do Campo Grande News (67) 99669-9563.