Casal assume união gay, mas vive a arte de ser drag queen escondido da família
Elas são lindas. Longe de serem vulgares, se veem como artistas que estão frente a frente dando um tapa de luva de pelica no preconceito. Lolla e Chloe assinam o mesmo sobrenome "Milan", porque fora das personagens eles são gays casados há dois anos e que há 9 meses descobriram que ser drag queen pode ser profissão.
Nos finais de semana eles trabalham como hostess no SIS Lounge, bar LGBT existente em Campo Grande há pouco mais de 6 anos. Falando deles mesmos, nunca tinham pensado em serem drag queens. A família desconhece a profissão e o casal prefere manter assim por respeito. "É ruim você segurar isso, mas a gente faz por questões de respeito. Você sabe que seria um baque muito forte. Meu filho, uma drag? Por que não pensar: 'meu filho, um Paulo Gustavo do Mato Grosso do Sul?" questiona Lolla, de 24 anos.
Lolla estudou teatro, artes, dança. Tinha o sonho de ser artista e como a maioria das pessoas, se afastava daquilo que desconhecia. O preconceito com as drags existia e foi sendo quebrado aos poucos, a base de muito estudo. Enquanto Chloe acompanhava o seriado americano RuPaul's Drag Race e já havia se montado anteriormente, poucas vezes. No Carnaval deste ano foi a primeira vez que eles se vestiram juntos. Corpo, cabelo, maquiagem, salto.
"Eu tinha uma noção básica, achava que seria um gênero sexual e não é. É puramente arte. A gente não começou trabalhando, começamos a nos montar por brincadeira e acabou tendo um retorno bacana", conta Lolla.
Depois do Carnaval, numa das aparições no SIS, montadas, as duas foram contratadas para recepcionarem os clientes. Uma novidade na casa que nunca tinha posto drags no ofício. Hoje, trabalhar como drag dá a eles, prazer e reconhecimento de artista. "Essa vida dupla é muito gostoso. Ter, ser uma personagem", comenta Lolla. Chloe é mais tímida, se limita a concordar com o marido e a afirmar que a escolha pelo nome vem do sarcasmo presente em sua personalidade oficial, inspirado na menininha que se tornou viral na internet. "Como ela é muito sarcástica e tem essa maldade no olhar, me inspirei nela", explica Chloe. "Já o meu, veio da minha gata, super criativo, né?", brinca Lolla.
Os nove meses de trabalhos na boate já garantiram a eles cumprir agenda fora da cidade como presença VIP e participação em desfiles, mas no dia a dia eles não são Lolla e Chloe. Não usam salto alto, peruca e nem maquiagem. E só quando se montam é que se tornam atores, dando voz às mulheres.
"A drag tem esse papel de poder, vamos dizer assim, de mostrar e colocar o feminino. A mulher tem que ser respeitada e a partir do momento em que você coloca peruca, pó no rosto e salto alto, você está indo contra o preconceito e tem que aguentar".
O país é preconceituoso, a cidade de Campo Grande então, nem se fala. "Tem muita gente que não sabe que as drags começaram na época de Shakespeare. Tem registros já de 1886, de drags, que eram atores da mesma forma que são hoje", explica Lolla. Como à época as mulheres eram impedidas de atuar, eram homens que se vestiam para representar o feminino no palco. E quando se reconhece a história delas, se quebra paradigmas, como o que aconteceu com Lolla. "E tem muita gente que não conhece, não sabe, não entende. É muito fácil apontar o dedo sem saber quem é".
O preconceito também é vivido dentro da própria classe LGBT, mas eles afirmam que são os que menos sofrem, justamente pela postura que adotaram frente aos gays e também aos artistas. "A gente devolveu isso com um trabalho bem feito, não retrucando. Não fazendo escândalo, que é totalmente desnecessário. A gente devolve com tapa de pelica", brinca Lolla.
Os clientes, com o tempo, passaram a ter uma conexão bacana com a dupla a ponto de heterossexuais pedirem fotos na frente da boate. Uma certa noite, eles relatam que desceu um homem de quase 2m de altura de uma caminhonete. O destino do rapaz era uma casa sertaneja, mas ele quis tirar foto. "Ele falou que não era homossexual e que não tinha nada contra e pegou a gente no colo, um de cada lado. Foi muito bacana, porque a gente teve a sensação de que o trabalho está sendo bem feito", frisam.
Lolla e Chloe se classificam como menos caricatas e mais suaves, dentro da linha hostess, precisam tratar bem e fidelizar os clientes da casa. O corpo dos dois não tem nenhuma alteração e o casal é enfático em dizer que também não tem esse desejo.
Por isso entra muita produção em 2h de montagem para se tornarem as drags. Para fazer o corpo, eles primeiro desenham no tórax a maçã do peito para evidenciar o decote. Os enchimentos são colocados e pedaços de espuma cortados e moldados no quadril, dando as formais mais femininas ao corpo.
Normalmente eles usam aquelas calcinhas mais altas e que tende a ficar à mostra. Para não vulgarizar as personagens, Lolla e Chloe aturam quatro ou até cinco meias-calças por baixo da roupa, mais peruca, mais alto e toda maquiagem. Com o perdão do termo, mas é preciso ser muito "macho" para suportar tudo isso horas a fio e com um sorriso no rosto. "Fica bonito e aos olhos do público, não fica nada vulgar", definem.
Sem "mães" drags ou quem as ensinasse a maquiar, por exemplo, eles aprenderam tudo o que sabem em tutoriais do Youtube. A perfeição eles têm a certeza de que estão longe de alcançar. "Sempre tem alguma coisa para melhorar. Já melhoramos muito na questão de roupa, cabelo, desenvoltura. A primeira vez de salto alto, a gente fica parecendo um troglodita", brinca Lolla.
Ser drag realiza o casal. A entrada da boate vira palco e cada cumprimento, um aplauso. "Não diria que me dá a possibilidade de ser quem eu gostaria de ser, mas sempre quis trabalhar como artista e quando me vi dragqueen, poxa. Eu posso não estar trabalhando na TV, tendo a visibilidade que eu queria, mas tenho o carinho do público", resume Lolla.
As drags estão a postos no SIS, na sexta e no sábado à noite, a partir das 23h, na Rua Dr. Zerbini, 53.
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