Com caras e bocas de intérpretes, surdos curtiram show do Sepultura
Expressões marcantes e muito movimento foram necessários para transmitir a energia dos palcos
Foram necessárias muitas caras e bocas para transmitir toda a energia do palco em sinais de Libras, durante o show da banda de metal brasileira Sepultura, que aconteceu no último final de semana em Campo Grande. A tradução em libras do show ficou por conta dos intérpretes Tatiana Tássia, de 41 anos, Karem Martins, de 33 anos, e Jessé Macedo, de 30 anos.
A turnê de despedida da banda passou por Campo Grande, em um evento que reuniu milhares de fãs de rock e metal no ginásio Guanandizão. O show também deu um grande exemplo de acessibilidade, com o trabalho mais desafiador, até o momento, do trio. Isso porque traduzir a melodia e letras pesadas não foi uma tarefa fácil.
O trio detalha que para passar a emoção e toda a energia do palco, para o público surdo, primeiramente é necessário entender que a Libras é uma língua e com uma estrutura diferente do português, na qual é necessário estudar e traduzir as letras antes.
Por isso, antes do show, o grupo teve acesso ao repertório que seria apresentado pela banda e inúmeras reuniões para trabalhar a sintonia e sincronização aplicadas no palco. Além disso, também foi solicitado um espaço iluminado, sem interferência visual para o público surdo poder prestigiar o show.
No evento, eles também contaram com apoio da produção e equipamentos de retorno auricular, para auxiliar no melhor entendimento das músicas, para realizar a tradução.
Um passo a mais na carreira
Tatiana Tássia tem 22 anos de profissão, e essa foi sua primeira experiência interpretando um show de metal. Ela detalha que a maior dificuldade foram os vocais gutural e a dinâmica de traduzir as músicas do inglês para o português, e passar para Libras.
A intérprete explica que a dinâmica precisa estar bem alinhada para que a transmissão da ideia da música seja passada com fidelidade, e o trio contou bastante com o com o apoio da produção do evento para que isso pudesse acontecer.
“A experiência foi maravilhosa, foi um passo gigante superado até por conta da complexidade que o rock pesado nos desafia. Confesso que achei que seria muito mais difícil. No início, acreditar nessa possibilidade foi fácil, [mas] chegando perto da data do show a insegurança começou, mas nos preparamos e deu tudo certo”, descreve.
Tatiana destaca que todos os gêneros musicais acabam sendo um desafio, porque passar o sentimento que a música quer transmitir é algo que precisa de muita sensibilidade e estudo em cima das letras e da história que a música quer contar.
“É necessário também entender sobre a cultura do surdo e como, e qual a melhor forma para que aquela mensagem seja absorvida por eles. Tivemos alguns encontros para estudo das músicas e estratégias de interpretação e tentamos adaptar da melhor maneira possível”, explica.
Quebrando paradigmas
Para Karem Martins, subir no palco com a banda Sepultura e transmitir toda a emoção e energia da música para o público surdo foi um desafio, mas também uma das melhores sensações que ela experimentou na vida.
Ela atua como tradutora intérprete de libras há 15 anos, é atriz, e tem um projeto de rock acessível em conjunto com a Brandes Band, com o projeto ‘Rock in Libras’, que produz rock em Libras e inclui a comunidade surda nesses locais, quebrando o paradigma de que ‘surdo não gosta de música’.
Ela descreve que a parte mais tocante da experiência foi ver na plateia pessoas surdas cantando em Libras junto com ela e os outros dois intérpretes. “Foi [um momento] único! Teve surdos que vieram de Dourados para poder assistir o show. Quando souberam que seria acessível em Libras, não pensaram duas vezes e garantiram o ingresso”.
Este também foi o primeiro show de metal que ela interpretou, e detalha que a experiência foi enriquecedora, além de destacar o grau de dificuldade do evento, que exigiu bastante estratégia de trabalho, por se tratar de uma tradução trilíngue (Inglês/Português/Libras).
Desafio superado
Intérprete há 11 anos, Jessé Macedo atuou a maior parte de seu carreira na área da Educação. No período da pandemia, vieram as lives e shows, e com isso ele encontrou uma nova vertente dentro da profissão, onde pôde explorar possibilidades e versatilidades,
Ele confessa que, quando foi convidado para trabalhar no show do Sepultura, ficou receoso a princípio, por se tratar de um show de metal. Ele explica que a preocupação era em relação à dinâmica do show, que envolve instrumentos mais pesados, o que exige mais técnica de interpretação, e também a possível dificuldade em entender a voz dos cantores.
Jessé detalha que ele e as meninas estudaram o repertório e a dinâmica do evento, dividiram as letras e fizeram reuniões para trabalharem a sintonia entre eles. Sobre a interpretação, Jessé fala que foi um desafio superado.
“Levar a acessibilidade em qualquer ambiente, em qualquer show, é possível. Amo o que eu faço, e acredito que estamos no caminho. Levo comigo um aperfeiçoamento e o aprendizado de que tudo é possível, basta dedicação e amor no que se faz”, finaliza.
Acompanhe o Lado B no Instagram @ladobcgoficial, Facebook e Twitter. Tem pauta para sugerir? Mande nas redes sociais ou no Direto das Ruas através do WhatsApp (67) 99669-9563 (chame aqui).
Receba as principais notícias do Estado pelo Whats. Clique aqui para acessar o canal do Campo Grande News e siga nossas redes sociais.