Com nome inspirado na Bíblia, Miss Violência é a drag que quer acordar a cidade
Miss Violência diz que chegou para levantar a bandeira da alegria e do respeito em Campo Grande
É escancarado o carinho que Edgard Ferreira, 20 anos, sente por Campo Grande. A retribuição vem em dobro e sempre ao lado da drag queen Miss Violência ou Miss Violence, que nasceu em seu corpo há mais de um ano e adora repetir que “sonha em movimentar a capital sul-mato-grossense que dorme cedo”.
Natural de Recife (PE), criado em Campo Grande desde os 6 anos e filho caçula de um casal lésbico, Edgard diz que a vontade de brilhar o transformou em drag queen e, principalmente, artista. O tom de voz da Missa Violência é alto, o sorriso é aberto e as roupas tem muito, muito brilho. Timidez passa longe, fofura é deixada para o lado menino, enquanto a versão drag não tem medo dos trejeitos e nem de ser uma mulher bonita na noite.
“Eu sempre fui uma criança interessada pela cena cultural da cidade. Entrei de gaiato nos grupos de dança para assistir apresentações e ensaios. Assim comecei a dançar danças urbanas e a ganhar prêmios. Nessa mesma época, foi o boom do RuPaul's Drag Race, e muitas meninas (drags) começaram a se montar do nada. Eu então comecei a dançar para essas meninas e me tornei bailarino de inúmeras drags”, lembra.
Um concurso de drag em casa noturna, em 2018, foi algo que o fez enxergar o universo drag com outros olhos. “Vi a oportunidade de me transformar. Assim eu criei essa persona”.
Miss Violência é totalmente diferente do que Edgard costumava ser. “Eu sempre fui um gay muito geek, muito fofo e engoli muito sapo nessa trajetória só de pensar em ser uma drag. Há, de fato, muito preconceito. É como se bicha preta não tivesse de estar nesse caminho”.
O nome é inspirado em um trecho da Bíblia, afirma. “Mateus 11:12, quando diz que o reino dos céus é arrebatado à força e são os violentos que o conquistam”, descreve. “Então a Miss violência veio para ser uma pessoa violenta em ser poderosa, que não tem medo de falar, lutar pelo brilho e pelo topo. Para isso, precisava ser violenta”, interpreta.
Preconceito, adversidades e muita resistência fazem parte de sua trajetória. Desde a infância, a feminilidade, o sotaque nordestino e a cor da pele causavam desconforto e eram alvos de bullying e racismo.
Hoje, como drag queen, Miss Violência transformou as marcas deixadas pelos conservadores em bandeira de luta, não só contra o racismo, mas contra a homofobia e ao próprio conservadorismo da cidade. “Preconceito em Campo Grande é igual Meninas Malvadas, é tudo por debaixo dos panos, em alguns momentos. Eles adoram dizer que não existe, mas faz tudo de maneira sutil. Por exemplo, pode haver três drags no cenário, duas brancas e uma preta, chamam as duas brancas para tirar foto e esquecem da negra. São coisas que se a gente problematizar vão dizer que é vitimismo, então a Miss Violência veio também para preencher essas lacunas”, afirma.
Em um país que carrega o racismo na história, em que objetificação da pessoa negra é constante e que a coloca como inferior, ser gay e drag queen é duplamente cruel. E, neste cenário, ainda tentam deslegitimar o talento, afirma Violência. “O preto no topo incomoda. As pessoas não têm nada para falar e falam mal até dos meus stories no Instagram. São picuinhas bizarras. A gente está de um lado do país potencialmente mais preconceituoso. Eu sofri preconceito por ser negro, por ter sotaque nordestino, por ser gay e depois por ser drag queen. Mas eu não me canso de lutar”.
Sabe-se que há um cenário mais forte para drag queens fora do Estado e até do País, mas a Miss Violência não cogita deixar a cidade tão cedo. “Eu poderia mudar de cidade, eu poderia ir para São Paulo, mas quero movimentar Campo Grande, mostrar que as cenas drag e LGBT existem. A gente vai nos lugares de madrugada e eles estão fechados. Essa cidade ainda dorme cedo, mas uma parte dela que brilha, que amanhece, e se diverte a noite inteira”.
Além de trabalhar em casas noturnas, Miss Violência participa de concursos, festas, confraternizações e tudo o que for convidada. “Aonde estiverem me chamando eu vou, o importante é animar a noite”, afirma.
Drag queen é provavelmente a profissão do ramo de entretenimento que mais exige versatilidade e criatividade, por isso, ela agradece o apoio da família. “Eu sei que sou privilegiada porque não é todo LGBT que tem a sorte de ter uma família que acolhe, de ter uma família LGBT e que lida muito bem com tudo isso. Mas sou muito grata às minhas mães que vão me prestigiar sempre e recebem até 10 drags na minha casa em dias de transformação”, finaliza.
Quem quiser contratar Miss Violência o contato pode ser feito pelo Instagram (clique aqui)
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