Covid que trouxe distância também fortaleceu parceria entre motoboys
No desafio das corridas e entregas, profissionais descobriram amizade possível independente de pandemia
O que a pandemia trouxe de separação, parece que para os motoboys de Campo Grande a coisa até se tornou mais unida. E como a união faz a força, esses profissionais já chegaram no ponto de criar amizade "panelinha", fazer piada interna entre os "brothers" e até dar um socorro quando se é preciso.
Segundo eles mesmos contam, ficar de olho grudado ao celular, fazer as entregas sozinho, passar por poucas e boas entre clientes e comerciantes – sem falar no risco das ruas – não é fácil. Porém, com o apoio do grupo, a vida fica um pouco mais leve.
"É uma profissão solitária", confirma Douglas Wandenberg, motoboy de 34 anos que há 12 se vira nas entregas. "Aqui todo mundo é colega um do outro. Afinal, estamos juntos aqui é na luta", diz.
"A verdade é que uma mão ajuda a outra. Se acontecer algo comigo ou com o parceiro, é bem mais provável contarmos com o 'cara a cara' entre nós do que a assistência dos aplicativos que trabalhamos", explica sobre quando colegas se juntam para arrumar a moto um do outro que acidentou, entregar uma cesta básica a família ou até "emprestar" o dinheiro do remendo de borracharia.
"Muitas das vezes, é uma profissão injusta", comenta Plinio Wellington, 33 anos. Porém, assim como ele, é apaixonado por quem faz. E tem gente que não só trata como ganha-pão, mas também uma forma de "terapia". "Tem quem prefere não ficar em casa por lidar com os problemas da vida. Aqui na rua podemos conversar abertamente um com o outro e até compartilhar experiências. Isso até apitar uma nova corrida", esclarece.
Seja na rua Euclides da Cunha, perto da Praça do Peixe, na avenida Júlio de Castilho, na Praça do Rádio e assim por diante, diferentes motoboys acabam se mesclando nos grupos "da bagunça" no WhatsApp. "Mas quando o papo é sério, a gente deixa a brincadeira para outra hora", confirma Plinio.
Mesmo que a profissão exija ficarem atentos ao celular na ansiedade de uma entrega a ser realizada, é no presencial que a coisa acontece. Claro que nem todo mundo se conhece, afinal na pandemia o número de motoboys cresceu e eles se espalharam pela cidade – sem falar no fato de que nem sempre os horários se cruzam. Entretanto, vez ou outra, é possível reconhecer um colega nas viagens.
Num mesmo endereço, é possível encontrar diferente grupos. E assim como qualquer "panelinha", tem os piadistas, os malas, os "pescadores" cheios de histórias (muitas delas inventadas), os malas e o que se só reclamam da vida.
"Principalmente os que reclamam de não receberem corrida. É natural sentirmos uma invejinha daqueles que mal param aqui por sempre terem entregas na mão. Tudo dependo do nosso score (notas/classificação) que é renovado mensalmente. Quem faz mais entrega, tem o score mais alto e recebe prioridade para pegar a próxima", explica.
Na esquina em que Douglas e Plinio costumam ficar, na avenida Afonso Pena com a rua Padre João Crippa, outros entregadores também o fazem de "ponto de espera". Ali, um dos amigos – que preferiu não ser identificado – lamentou o fato do Lado B não ter conhecido o "Haroldinho" ou o "Clayton", figuras da entrega que não estavam na ocasião da reportagem.
"São pessoas extrovertidas, que trazem alegria pra cá. É o que precisamos. Haroldinho, pro exemplo, é o maior zoeira. Tudo ele aumenta um conto", brinca o motoboy.
"É uma profissão cansativa e a vida fica mais leve com essa união. Aqui falamos de tudo. Tem até briga de política e futebol, o que prefiro nem entrar no meio", admite Plinio. "Mas tem aqueles que se juntam e fazem um churrasquinho e até conhecem a família um do outro. Isso não é todo mundo pois a rua é nosso ambiente de trabalho, e o lazer nem sempre é possível", comenta Plinio.
Por mais que seja um "clube do Bolinha", as mulheres vêm ocupando mais espaço nessa labuta profissional. Douglas acha isso muito bacana pois "é um aprendizado, mostrar para nós homens que todo mundo aqui tem seu espaço garantido e respeito", diz.
Barulhinho da alegria – Quando toca o celular, é a hora que a entrega começa. No caso desses "Papaléguas do Asfalto" (nome que deram ao grupo de mensagens criado), vestir a camisa é obrigação. Literalmente, pois até camiseta já fizeram. "Temos que mostrar para os aplicativos que estamos trabalhando. Eles sabem os horários que costumamos ficar disponíveis, e isso aumenta nosso score. É uma rotina diária, que não pode deixar a peteca cair", diz Douglas.
Varia muito a personalidade, vivência e idade dos colegas. No caso de Eliel Alfonso da Costa, 21 anos, seus parceiros mais velhos não levam a alcunha de "tiozão". "É de igual para igual pois acaba que somos pais e mães de filha, temos responsabilidades. Então é muito misturado e até que dá certo", opina.
Já para Vinícius Freitas, 29 anos, os 12 meses de motoboy já o ensinaram muita coisa. "Com nós não dá pra mexer. Se a gente vê alguma coisa errada na rua, vamos lá socorrer o amigo, independente se eles estava certo o errado. Geralmente nós somos a vítima", conta. "Isso mostra que estamos aqui juntos pra valer", reforça.
Para ele, assim como Plinio, Douglas e Eliel, o fato de ficarem juntos papeando – nem que seja por minutos a espera de uma nova corrida – faz a atividade profissional ficar mais leve e divertida. "Já sofremos com bastante estresse, então contar com a galera é massa", finaliza o motoboy.
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