Culpada por machistas, vítima de post não teve paz mesmo falando que era fake
Foto de Facebook estampou anúncio e mulher não só ouviu que a culpa era dela como viu a insistência dos homens mesmo diante do não
Uma situação que escancara o machismo por todos os lados. Depois de ser objetificada como um produto, a mulher de 45 anos vítima de anúncio pornográfico fake, ainda teve de ouvir que era culpada e sentiu em inúmeras mensagens e ligações o quanto os homens não aceitam um não. Mesmo dizendo que se tratava de um falso anúncio no site de acompanhantes, ela continuava a receber, das mesmas pessoas, cantadas e convites até para sair "de graça".
Depois de publicada a reportagem de que a Defensoria Pública do Estado, através do Nudem (Núcleo Institucional de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher), acionou a Justiça no caso, o Lado B conversou com a vítima, que não trabalha como acompanhante, não faz programa e mal posta fotos nas redes sociais, com a condição de não ser identificada.
Ela conta como descobriu que estava "anunciada" depois que várias mensagens começaram a chegar. Mãe de filhos adultos, divorciada há anos depois de duas décadas de casamento, a preocupação não parou na importunação dos "clientes", a mulher tinha o receio de que se a família do ex-marido descobrisse, ela ainda ouvisse que isso só aconteceu porque se separou.
"As pessoas me incomodaram demais. Você fala: 'não, olha, eu não faço programa. É um fake' e ainda fica aquela insistência e eram pessoas casadas, você via nas fotos que estava com a mulher", conta sobre as mensagens que chegavam via WhatsApp.
O primeiro episódio aconteceu no final de novembro do ano passado e como a vítima trabalha atendendo ao público, repassou o celular a uma colega para que viesse o que estava acontecendo, já que o aparelho não parava de apitar. "Eu pensei: 'Meu Deus', começou era umas 4h da tarde, pedi para ela ver o que era e ela me disse que eu estava num site de acompanhante", relata.
De imediato, a vítima tentou tirar o anúncio, ligou para um dos filhos e começou a tirar prints de tudo o que estava chegando no celular. Também recebeu a orientação de fechar as contas em redes sociais e excluiu perfil no Instagram e Facebook. "E ali nem meu telefone tinha, então a pessoa que fez isso tem meu número, me conhece", acredita.
O anúncio dizia que ela tinha 38 anos, era universitária, tinha marquinha de biquíni e oferecia os mais variados serviços, desde massagem a programas. As fotos usadas tinham sido retiradas do Facebook dela. Uma estava no perfil e a outra num passeio com o namorado, onde aparecia apenas a parte de cima do biquíni.
"Isso nunca aconteceu comigo, eu fiquei muito surpresa. No meu Facebook eu nem tenho foto sem roupas. A de biquíni nem era de corpo inteiro. A foto do perfil, era do meu aniversário, eu me arrumei para sair e tirei", explica.
"Eu fiquei muito nervosa, sem reação. Eu prezo muito pela minha imagem, quer falar mal de mim? Fala, mas não fala o que eu não faço. E mesmo se eu fizesse (programa), e daí? Ninguém tem nada a ver com isso", desabafa.
O ex-marido não foi e nem o namorado à época, tanto é que ele entrou como testemunha na ação indenizatória movida pela Defensoria. A importunação não ficou só no anúncio, como foi distribuída em comentários no Facebook dos filhos e dos amigos mais próximos da vítima. "A pessoa publicava uma foto e já vinha um fake com este post, que eu era garota de programa. Aconteceu nas redes sociais de amigos meus, aí me ligavam perguntando o que estava acontecendo, porque falavam que eu era garota de programa", descreve.
Através de um perfil fake no Facebook chegaram até mesmo a falar com ela. "No meu messenger vieram me dizer que 'essa sua carinha de anjo nunca me enganou', mandaram também para o relacionamento que eu estava tendo. Foi tudo bem orquestrado, não era uma coisinha só", conta.
O anúncio esteve por duas vezes em sites de acompanhantes diferentes. "E ali eu via como os homens não têm respeito nenhum. Você fala que é fake, mas continuam insistindo, tratam a mulher como objeto sexual. Você não vê isso acontecendo com um homem", compara.
A suspeita da vítima é de que o autor das postagens seja uma mulher e que é próxima dela. "Eu sou uma pessoa feliz, eu curto a vida, não encho o saco de ninguém, isso é coisa de pessoa doente", diz.
A defensora que atua no caso, Graziele Carra Dias, explica que pela lei do Marco Civil da Internet, os sites não são obrigados a tirar sem a notificação, mas que a notificação pode ser feita pela própria vítima, seguida do registro de um boletim de ocorrência para que seja investigado quem inseriu a mensagem através do ip. "O site não pode ir colocando fotos de uma pessoa nessas condições. Não é foto de Instagram, de gente se abraçando, é um anúncio pornográfico. Por isso resolvemos entrar com indenização", ressalta Graziele.
A defensora encontrou decisões até do STJ (Superior Tribunal de Justiça) bem claras dando indenizações em casos assim, o que revela o quanto estas situações vem acontecendo. Na tutela antecipada, a defensora fez o pedido baseando-se na lei do Marco Civil, que fala exatamente que a pessoa que hospeda é responsável pela guarda e fornecimento de registros da conexão. "A gente pode fazer este requerimento, pedir quem inseriu essas informações", fala.
Já sobre a indenização, Graziele explica que a base da ação é em cima do artigo 5º, inciso 10, da Constituição. "Que fala da violação à intimidade, vida privada, honra e imagem da pessoa".
O maior desejo da vítima não é o dinheiro, mas ver a pessoa responsável pelo anúncio pagar em serviço. "Não quero dinheiro dela, quero que pague para o Estado, para o Município, que vá trabalhar, prestar um serviço, se teve tempo para ficar fazendo esse trabalho todinho, pode ajudar uma casa, uma pessoa que necessita", afirma.
O machismo saltou aos olhos da vítima diante da situação. "Eu ouvi que a culpa foi minha, que eu que me expus, que 'essas fotos suas'. Mas ninguém tem o direito de fazer isso. Os homens tiram fotos, nudes, com tanta naturalidade, vai a gente fazer uma coisa dessas? O machismo é muito grande perante nós, por mais que conseguimos quase encostar neles, ainda somos muito discriminadas".
O que fica agora também é o receio e o "pé atrás" com todo mundo. "Eu tinha Facebook mais pelos amigos e a família que a gente acaba encontrando pelas redes sociais mesmo. Agora estou falando com muita pouca gente, você não pode confiar 100% nas pessoas que estão em volta", reflete.
Em situações como esta, a Defensoria orienta para que seja feita toda documentação dos fatos, como print das publicações e comentários, e-mail pedindo a retirada, que vale como notificação extrajudicial, e busque pela Defensoria. "Somos uma sociedade patriarcal, machista, em que a gente é visto como objeto. Uma sociedade que atribui os crimes que a mulher sofreu a ela mesma", encerra Graziele.
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