Dar mamadeira não te faz menos mãe e momento ainda pode ser especial
Baseado em experiência própria e de gente próxima, escrevo aqui o que gostaria que tivessem me dito: tudo bem, tá?
Se tem um assunto que dá pano pra manga é a amamentação. Na semana passada, o texto terminou com uma reflexão da jornalista Carla Gavilan, que lutou muito para que o leite materno fosse exclusividade na vida da filha, Clara. "Acho lindo quem consegue amamentar, mas eu entendo profundamente quem não consegue", disse.
Este texto, assim como essa coluna que me atrevo a escrever aos domingos, poucas horas antes de ir para o ar, porque mãe vive sem tempo mesmo e aqui é a mãe que escreve, não muito a Paula jornalista, não oferece dicas extraordinárias, nem tampouco soluções de especialistas. É basicamente um desabafo que gostaria que chegasse às mães como um alento. Tudo bem se não der para amamentar, tá? Você não é menos mãe por causa disso e o momento de dar o leite para o bebê ainda pode ser muito especial. É tudo o que eu gostaria de ter ouvido no meu primeiro filho. Que tudo bem se não der certo. Porque às vezes simplesmente não dá.
A Jescika Lemes é publicitária, agente de viagens e mãe do Ravi. Um dos bebês mais lindos que já vi, aqueles de revista mesmo e que dão essa impressão pra gente por estar sempre em meio à natureza, já que os dois moram em Bonito.
Na gestação, Jescika até chegou a imaginar dificuldades por ter o bico invertido e foi exatamente isso que aconteceu. Ravi não conseguia sugar certinho, mesmo com a mãe fazendo a pega correta. No oitavo dia de vida, ela resolveu bater à porta do banco de leite da maternidade e teve o que define como "má sorte" ao encontrar uma equipe nada humanizada. "A enfermeira começou a me humilhar, pegava ele no colo e falava: 'olha, mãe, o que você está fazendo com ele. Esse bebê está passando fome. Por que ainda não deu fórmula?", lembra.
A publicitária saiu aos prantos do banco direto para uma farmácia, se sentindo cruel por ter insistido na amamentação. "Saí de lá e ela me obrigou a comprar a fórmula, ela tentou fazer ele mamar no seio, mas ele não pegou", conta. Por quase dois meses a mãe tentou ainda dar o peito alternando com o leite artificial e fez até o uso do bico de silicone. "Acho que por ter o bico intermediando, não estimulava muito a produção. Eu tomei canjica, aquela água não sei o que lá, horrível para caramba, fiz tudo o que você imaginar", relata. O bico de silicone até dava a sucção, mas em troca a dor era terrível e Jescika urrava dando de mamar. "Fiquei nessa dois meses, até que ele começou a se interessar menos pelo peito, porque a mamadeira é mais fácil, sai mais rápido para eles", percebeu.
Se sentindo extremamente incapaz, em pleno puerpério, ela ainda tinha que ouvir os comentários assim que tirava a mamadeira da bolsa. "Ai, mas nada substitui o leite, ou eram as perguntas: 'por que você dá fórmula? Já tentou dar o peito com ele sentado, de cabeça para baixo, do lado avesso?'" Cada um tinha um palpite ou diagnóstico que machucavam ainda mais a mãe e eles vinham até de grupos de Whats de mães. "Um dia eu mandei uma mensagem perguntando, logo que tinha ficado definido que seria fórmula, qual era melhor: aptamil ou nan e, uma mãe respondeu assim: 'mas por que fórmula? Acredite na mulher que há em você, você é capaz, nós nascemos para isso...'
Meio que um sermãozinho, sabe? Como se fosse assim, eu que não queria amamentar e tinha resolvido dar a fórmula. Ela falou isso sem saber a minha realidade, sem saber o que eu estava passando e aquele comentário me fez muito mal, fez eu me sentir mais lixo ainda. Eu sei que não foi por maldade, que ela quis me motivar, mas foi algo que no momento me desmoronou mais ainda. Uma mãe dizendo que eu era capaz, só que ali eu não estava sendo capaz", descreve.
Depois de ter tentado de tudo, Jescika resolveu pensar em que tipo de energia estava transmitindo ao filho e até que ponto aquela relação seria saudável. Só que ao mesmo tempo, vinha a sensação de que ela era substituível por qualquer um que tivesse uma mamadeira em mãos.
"Várias vezes eu me senti muito mal, eu pensava que ele não iria se apegar comigo, que não ia me amar como todo mundo fala, porque mãe que amamenta o bebê fica grudado, é mais carinhoso, fica pedindo peito não só para mamar, mas aquele contato físico e eu tinha muito medo de ele não ter elo. Mamadeira qualquer um pode dar, e como ele vai se apegar a mim?", se perguntava.
A experiência fez o pensamento mudar e o discurso da mãe também. Hoje, para a gente e para quem chega querendo conversar sobre o assunto, a publicitária acalma. "Eu falo relaxa, porque eu acredito muito que é um lance de energia. A gente passa para o filho tanta saúde, imunidade e amor pela energia. Então, eu sempre mentalizei que com a fórmula ele estava tendo todos os nutrientes, todas as vitaminas que eram necessárias para ele ter saúde. Eu acredito muito nisso, que vai da nossa intenção", explica.
Longe de ser menos mãe e se sentir menos amada, a Jescika e o Ravi são grudados e o medo que ela tanto tinha, de não criar vínculo, caiu por terra. "Elo? O bebê foi produzido, crescido, criado, formado dentro da gente. Quer elo maior que esse? Não vai ser amamentar ou não que vai mudar isso", frisa.
Hoje, engatinhando, Ravi vai atrás da mãe onde Jescika estiver e se deita no peito ou na barriga, pede carinho e recebe um cafuné que o faz adormecer. "Eu me culpei muito, eu sei que nessa fase todas as mães se culpam, mas a gente pode se dedicar a outra coisa. A maternidade não é só amamentar, tem a parte da educação, dos cuidados, do dia a dia, são muitos detalhes e acho que a amamentação é só um pequeno detalhe. Com certeza é saudável, o leite materno é sagrado, é especial, se adapta ao que a criança precisa, e embora eu gostaria muito de ter amamentado, não tive esse mérito, mas não é porque é um leite industrializado que eu vou ser menos mãe ou que meu filho vai ter menos saúde".