Defensora do amor, juíza leva até bandeira gay em 1° casamento LGBT da cidade
Juíza fez questão de comemorar a 1ª conversão de união estável para casamento homoafetivo em sua comarca de Bonito.
A união estável entre casais do mesmo sexo teve seu reconhecimento em 2011. Dois anos depois, em 2013, o casamento civil passou a valer para todos, entretanto, nem todo mundo sabe disso. A prova é que nesta semana, o fórum de Bonito, a 296 quilômetros de Campo Grande, protagonizou pela primeira vez um casamento homoafetivo. Feliz como as noivas, a juíza da comarca estendeu a bandeira gay na mesa em defesa do amor.
Poderia ser só mais um processo de conversão de união estável para casamento como muitos casais héteros fazem na comarca da cidade, mas a juíza Adriana Lampert não deixou essa estreia passar batida. Ao saber que faria o casamento de Elaine e Cleusa no dia 28 de maio, a emoção a fez pensar em cores.
“Judicialmente esse foi o primeiro casamento na minha comarca e eu tive que valorizar esse momento. Em tempos de neoconservadorismo, elas duas se abriram, enfrentaram de cabeça o erguida o preconceito e lutaram por um direito que é delas. Então, eu pensei em como conseguir uma bandeira e um bolo colorido”, descreve a juíza.
Adriana não sabia como as noivas iriam reagir ao seu gesto, mas não abriu mão da surpresa. “Como eu não sabia se teria a aceitação delas, no primeiro momento, eu deixei a surpresa no gabinete. Assim que oficializamos a união, eu pedi autorização para comemorar elas”.
A bandeira gay foi estendida na mesa acrescida de um bolo colorido com corações na cobertura. Para o casal de mulheres Elaine Ferreira de Sousa e Cleusa Rosa Alves Alcará, ambas de 40 anos, a sensibilidade da juíza trouxe outro sentido a cerimônia. “O preconceito é muito explícito, inclusive, em casamentos civis do cartório. Quando a gente decidiu casar judicialmente, eu pensei que seria da mesma forma. Não esperava esse acolhimento por parte de uma juíza. Ficamos muito felizes”, descreve Elaine.
Juntas há cinco anos, a vontade de oficializar o casamento com a parceira cresceu depois que se perguntou: “Por que não?”. “É uma luta muito difícil de vivenciar, principalmente, numa cidade do interior. Mas como nós vínhamos lutando pelo nosso amor há anos e já tínhamos a união estável, decidimos transformar em casamento porque temos novos planos para o futuro”, afirma.
O casamento civil feito judicialmente assegura algo muito importante, explica a juíza. “Quando nós convertemos judicialmente para o casamento, você pode usar a data do início da relação e não apenas da data do casamento, como é em cartórios. Isso assegura também toda parte patrimonial e de direitos anteriores”, explica Adriana.
Elaine e Cleusa deram entrada, em abril, no processo para o casamento na Defensoria Pública, e em pouco mais de 30 dias conquistaram a união.
Contra corrente – O gesto da juíza se pauta nos Direitos Humanos. Quando começou a faculdade, sabia que pensar nesse contexto era ver as desigualdades que a sociedade produz e querer militar contra elas.
Juíza de Direito do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul há 17 anos e titular da 1ª Vara da Comarca de Bonito há 11, a gaúcha de 44 anos, nascida em Passo Fundo (RS) está na profissão para nadar contra a corrente. Enquanto o discurso raso chama direitos humanos de “defesa de bandidos e vagabundos”, ela resiste em um debate bem mais profundo. “Eu vejo que para conseguir qualquer coisa das minorias é preciso enfrentar. Nós como profissionais também temos nosso papel de reconhecer, encorajar, empoderar. E isso não é apenas na causa LGBT, é em todo contexto de desigualdade. As pessoas acham que os Direitos Humanos só correspondem a presos e não é isso. O Estado tem um dever a cumprir, mas não é aceitando o direito do outro, é respeitando”.
E é a favor desse respeito que a juíza tem caminhando desde a graduação. “Hoje estou fazendo mestrado em Direitos Humanos. Sempre quis ser juíza, tinha aquele ideal na infância, mas a gente enfrenta bastante dificuldade. Por isso, uma audiência como essa é igual as outras de casais héteros, os procedimentos jurídicos são os mesmos, ouvimos as testemunhas. Mas por ser a primeira, isso mostra que precisamos sensibilizar o outro pelo respeito”.
Depois da primeira união, Adriana lamenta não poder dar um bolo para todo mundo, mas garante que ficará feliz em realizar outras audiências. “Que venham outros casamentos. E faço questão de levar essas informações à comunidade. Tem coisa legal na nossa profissão e que é de direito de todos, que acho muito importante fazer essa intermediação”, conclui.
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