Em 1904, primeiro “divórcio” amigável do Brasil ocorreu em MS
João José Lopes e Leonora Pedroza Lopes viviam na então “Villa de Nioac” quando decidiram pelo “desquite”
Integrando os processos históricos do Museu do Judiciário de Mato Grosso do Sul, o primeiro “divórcio” amigável da história brasileira foi em Nioaque. Disponível para acesso on-line, o documento é peça importante para entender a evolução do casamento e também a história regional de Mato Grosso do Sul.
O casamento com Leonora Pedroza Lopes foi o segundo de João José Lopes, filho de José Francisco Lopes, conhecido como Guia Lopes, e da Senhorinha Maria da Conceição Barbosa de Lopes, segundo o professor e pesquisador José Vicente Dalmolin.
No documento (veja na íntegra clicando aqui), o então escrivão interino da “Comarca de Nioac” detalha que João e Leonara decidiram pelo divórcio amigavelmente para “evitar-se a publicidade de factos, que certamente seriam desfavoravelmente apreciados”.
Tendo durado quatro anos, ambos se casaram no dia 14 de setembro de 1900 na “Parochia de Santa Rita da Villa de Nioac”, quando o município ainda pertencia a “Matto Grosso”. Conforme descrição da certidão de casamento, João tinha 43 anos e Leonara 16.
A partir de sua união nasceram dois filhos, sendo Macaria, então com 2 anos no período da separação, e Paulo, com menos de 1 ano. Conforme o documento, ambos ficariam com o pai devido ao "pátrio poder”.
Ainda sobre os filhos, Paulo deveria ficar “em poder e companhia” da mãe até completar a idade necessária para receber a “devida instrução”.
Com o “desquite”, um inventário com os bens pertencentes foi realizado para que tudo fosse dividido entre ambos. Na descrição havia terras de criação e lavoura em lugar denominado “Cachoeirinha” e também no espaço chamado “Forquilha”, que integravam a fazenda “Jardim”; outras delimitações da própria fazenda “Jardim”, além de terras na “Fazenda Prata" também foram divididas.
Assim como as terras, os valores de animais também foram repartidos, como 800 vacas “parideiras”, 30 éguas e 20 cavalos. Ao todo, os bens valiam trinta e três contos e trezentos mil réis. Sendo que cada um ficou com 16.650 réis.
Conforme a pesquisa do professor Dalmolin, em um livro do General Malan é informado que João foi assassinado em 1905, apenas cinco meses após se separar. Com isso, Leonora herdou todos os bens do ex-marido.
Sobre a morte de João, ele teria sido feito prisioneiro durante a Guerra do Paraguai na cidade de Horqueta. Após sua morte, João foi sepultado no Cemitério dos Heróis da Retirada da Laguna, em Jardim.
Da colonização ao “desquite”
A partir dos bens descritos no processo de divórcio é possível entender um pouco sobre as relações da família de João com os municípios de Nioaque, Jardim e Guia Lopes da Laguna. Isso, porque seguindo as interpretações do professor Dalmolin no livro “Guia Lopes da Laguna: nossa terra, nossa gente, nossa história”, as terras descritas integram a história regional.
Conforme o professor, as origens dos municípios de Jardim e Guia Lopes partem do desmembramento da então Fazenda Jardim, citada no documento. A sede da propriedade ficava localizada no espaço em que hoje é Guia Lopes.
“A origem da história da Fazenda Jardim é uma das partes da história sul-mato-grossense de ocupação, colonização e povoamento que tem seus primórdios na segunda metade do século XIX, pelo pioneirismo das famílias Lopes e Barbosa”, escreve o professor.
Segundo as pesquisas do professor, hoje a antiga sede da fazenda Jardim não está mais sob posse dos Lopes, mas segue sendo uma área rural.
Mas, antes mesmo do surgimento das duas cidades, o tio de João, Joaquim Francisco Lopes, fundou Nioaque. Conforme a prefeitura, no ano de 1847, Joaquim comandava uma expedição para encontrar uma rota fluvial que ligasse Mato Grosso ao Paraná. Em 1849, fixou-se nas terras que em 1877 seriam transformadas no “Distrito de Nioaque”.
Na época, um “divórcio” diferente
Usando da Lei nº 181, de 24 de janeiro de 1890 (veja aqui), em que havia apenas quatro motivos para o “desquite”, os dois conseguiram apenas realizar a separação de corpos. Isso, porque, na época, o divórcio como conhecemos hoje só era possível caso uma das pessoas morresse.
No artigo 88 do capítulo IX da lei era explicado que “o divórcio não dissolve o vínculo conjugal, mas autoriza a separação indefinida dos corpos e faz cassar o regimen dos bens, como si o casamento fosse dissolvido” [sic].
De acordo com a lei, só era possível pedir o “divórcio” (a separação dos corpos) em caso de adultério, sevícia ou injúria grave, abandono voluntário do domicílio conjugal e prolongado por dois anos contínuos ou, em último caso, consentimento mútuo dos cônjuges após passarem, pelo menos, dois anos casados.
Como a separação de João e Leonara foi realizada em 1904, é possível notar como a história do divórcio total é recente. Isso, porque a primeira mulher a se divorciar realmente no Brasil, Arethuza Figueiredo Henrique Silva de Aguiar, só conseguiu esse direito em 1977.
Mudanças no vocabulário e na escrita
Além do uso da lei em si, outros detalhes são interessantes de serem notados no documento, como mudanças no vocabulário e também na escrita.
Devido à época, várias palavras eram escritas com grafias diferentes, indo desde o próprio nome do município de Nioaque, então “Nioac”, até “permite”, que era escrita “permitti”.
E, claro, não podemos esquecer do juridiquês que já é complicado hoje, mas no passado somado às letras desenhadas, se tornava ainda mais difícil de se entender. No documento do divórcio de João e Leonara, por exemplo, há o termo “acquiscencia”, que hoje é “aquiescência” e significa anuência, consentimento.
Outro detalhe observado no documento era o uso de léguas para medir a distância entre locais e, claro, o então uso de “réis”, o plural da moeda da época.
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