Em bar que foi “sucursal” do Governo há décadas, só figueira continua cliente
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Na década de 80 quem queria saber dos bastidores políticos ou discutir o tema era só chegar no bar do Paulo, na esquina das ruas Calarge com a 14 de Julho. Nos copos, cachaça e cerveja e no prato, salada de salsicha enlatada com cebola e tomate, que era comido com pão. Apoiados no balcão ou nas poucas mesas estavam os que entendiam do assunto: jornalistas e fotógrafos da Secretaria de Comunicação do então governador Pedro Pedrossian.
O expediente encerrava às 18h na sede do Governo, que à época funcionava na Fundação de Cultura. Mas o outro começava no bar e seguia até 20h. Para esse, cartão de ponto era dispensado. Só não podia era fazer hora extra. O dono, Paulo Nakasato, hoje com 74 anos, era um japonês metódico. Como quem bate o ponto dos clientes, ele colocava os jornalistas e fotógrafos porta afora para que procurassem outra mesa de bar. O dele fechava as portas às 8h da noite. A saideira, se passasse disso, era capaz de ficar para o outro dia.
O Palácio do Governo era a poucas quadras dali e exatamente ao lado estava o estúdio dos fotógrafos Roberto Higa e Valmirar Gomes, que trabalhavam para o governador Pedro Pedrossian. Desculpa ou justificativa, o fato é que todo dia tinha alguém da Secretaria de Comunicação no boteco da esquina.
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O lugar era tão marcado que acabou ganhando o nome de sucursal. Quem fala é o próprio secretário de Comunicação daquela época, o jornalista Oscar Ramos Gaspar. Ele faz questão de frisar que parou de beber tem mais de 20 anos, mas lembra como se fosse hoje das histórias que só o "Bar do Paulo" guardaram.
O boteco em si não era referencial para a cidade, mas marcou a época de quem viveu o momento e de alguma forma testemunhou Mato Grosso do Sul dos anos 80. Eram eles quem retratavam, com palavras ou fotos, o cenário político atual.
O bar era modesto, quase que uma mercearia. A porta azul de madeira, duas ou três mesas e ao fundo, a casa do casal de japoneses. Beber por lá era de pé. “A cada vez que ia no laboratório, ia no boteco. Qualquer político saía do estúdio e ia no bar. Fomos rebocados para lá pelo estúdio do Higa”, relembra Oscar.
Quem convive sabe. Juntou jornalista e fotógrafo é história pra contar na certa. A conversa era tanta que o bar virava todas as noites uma espécie de ‘senado’. “Todo mundo conversava os temas mais relevantes ali. Debatia política e economia como se fossem decidir o futuro do Brasil amanhã e ali ninguém tinha responsabilidade de nada” brinca Oscar.
Os anos eram o começo da década de 80. O bar mesmo teve o “auge” entre 1981 e 1982, depois disso, após o fim do mandato de Pedrossian, cada um foi para o seu lado e o bar sentiu o baque. Entre o final da década de 80 e começo dos anos 90, fechou as portas.
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“A gente brinca que ali foi tombado pelas avessas, pelo esquecimento”, comenta Oscar.
Quem olha hoje só vê a madeira azul que um dia serviu de porta. Os espaços abertos para os clientes chegarem foram substituídos por tijolos, talvez numa tentativa de preservar o lugar de usuários de drogas. O curioso é a Figueira que nasce da estrutura. E claro, as pichações, parte delas artísticas que tomaram conta do que um dia foi o ponto de encontro das novidades políticas.
“Faz parte de um conjunto de memórias de um tempo, de um grupo que num determinado momento tinha um protagonismo. Para a gente que passa, ali tem representação na vida”, completa Oscar.
Sendo o co-responsável, ao lado de Gomes, o fotógrafo Roberto Higa tem na ponta da língua uma explicação para o entra no estúdio e sai no bar. Mais simples seria se na época uma porta entre os imóveis levasse das fotos direto para o balcão do ‘seo’ Paulo.
“Como uma vez tomaram o líquido de revelar foto da geladeira, ninguém mais queria tomar água daquela geladeira, então realmente ia pro bar”, brinca Higa. Sem citar nomes, a história verdadeira era de que a pessoa em questão procurava por água, e pela sede, tomou de uma vez três generosos goles. Reza a lenda que nada de mal aconteceu. Quem bebeu por engano o líquido curou com pinga no bar.
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Higa conta que além do povo do meio da Comunicação, muita gente que frequentava ali, teve a vida mudada. “Eu tinha ganhado um cartão de um secretário que falava ‘fulano de tal, favor atender com emprego o nosso amigo Roberto Higa’. Na época eu tinha emprego, então dei para um amigo que estava desempregado há dois anos. Ele se aposentou pelo TCE e mora hoje em Recife”, recorda.
Colega de profissão e de boêmia, Antônio Mazeica, mais conhecido como ‘Fumaça’, tem o resumo para o que o bar era naquela época. A justificativa vale até hoje quando o boteco é frequentado pra por o papo em dia.
“No final do expediente todo mundo se reunia no boteco. Todo jornalista entrava como funcionário público e saía de fininho pro boteco. Não tinha isso de internet, de Facebook. A nossa comunicação era boca a boca, então como que a gente colocava a fofoca em dia? Se juntava pra conversar no boteco. Era uma geração que bebia por esporte, por prazer”.
E não é só jornalista que fala não. A vizinhança também sente saudades das portas abertas. O aposentado Nilton Yara, de 66 anos, tinha a oficina ali do lado do bar. O café de todo santo dia era bebido ali. Ele, vez ou outra, ouvia as conversas de quem compôs a boêmia daqueles anos.
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“Era mais o pessoal que gostava de uma pinguinha mesmo. Mas eu frequentava e dá saudade. Era meu vizinho...” fala.
Hoje o bar está abandonado. A estrutura nunca mais vingou depois que o ‘seo’ Paulo fechou as portas. A gente até tentou contato com ele. Mas aos 74 anos, ele só disse que nada tinha pra falar porque já fazia muito tempo. Não tem problema, a história do bar é recontada por quem mais frequentou aquela esquina.
“Eu reclamo que não tem barzinho onde se encontra jornalista hoje”. A frase saudosista é do fotógrafo que tinha o estúdio ao lado. Valmirar Gomes ainda quer reunir todo mundo de novo e quem sabe por a fofoca em dia da política de hoje.