Em crimes que envolvem estupro, precisamos expor o problema e não a vítima
Mais um monstruoso caso de violência sexual– porque sim, todos os casos desse tipo são repugnantes – chamou a atenção da sociedade para o problema da cultura do estupro. Foram mais de trinta homens que doparam e abusaram de uma garota que voltava para casa no Rio de Janeiro. Sem mostrar o menor tipo de arrependimento pelo ato, os criminosos ainda expuseram a menina nua e sangrando em um vídeo compartilhado no Twitter, fazendo “piadas” sobre a situação.
Não cabe citar o nome, a idade da vitima, a roupa que ela vestia e o horário em que o crime aconteceu. Não cabe porque esses dados não são divulgados como forma de contribuir para a recuperação dela ou punição dos responsáveis. Hoje, acabam propagando que o estupro é culpa da vítima, algo que perpetua o machismo e o feminicídio. Ninguém pede para passar por uma situação humilhante e degradante como essa. Ninguém!
Em uma situação tão grave, o que salva é a união de diversas mulheres em expor o caso e, acima de tudo, proteger a vítima. Pude ver, em minhas redes sociais, que as pessoas se uniram para expor a gravidade de um crime e, principalmente, proteger a moça.
Um post de uma amiga chamou particularmente minha atenção em meio a repercussão dessa tragédia pessoal com proporções universais. Nele, a universitária Nuala Lobo, de 21 anos, lembra que "não se combate cultura do estupro e exposição com mais exposição da vítima. Não se resolve crime divulgando dados da vítima. Não se dá apoio à vítima usando o sofrimento dela para provar alguma afirmação sua. Irresponsabilidade e autopromoção está sobrando. Essa é a empatia e sororidade que vocês tanto pregam? Assim que vocês pretendem acabar com o machismo? Parem".
Sempre me questionei sobre como deve ser horrível ser exposta depois de um trauma tão grande. Nunca soube dizer como reagiria, porque nunca encontrei forças para enfrentar o meu próprio pensamento quanto ao assunto. Quanto mais sobreviver a ele.
Se pude tirar algo positivo da exposição desse crime, foi o fato das mulheres, em nossa luta constante e diária, conseguirem mostrar que temos que noticiar casos de estupro para expor o problema da cultura da violência, não para condenar a vítima.
Simone Aguilheira Gallassi, de 22 anos, saiu de MS para estudar no Rio de Janeiro. Ela foi uma das pessoas que vi, em meio às notícias que surgiam sobre o caso, ressaltando que era importante não divulgar ainda mais o vídeo do caso. “O trabalho está sendo de formiguinha, por enquanto, uma menina de cada vez falando para não compartilhar. O que não temos e precisamos ter é a mídia falando disso, sobre o que pode acontecer se compartilhar, o quanto isso é ruim”.
A estudante de Jornalismo é feminista e milita há dois anos. Para ela, a gravidade deste crime possibilitou que houvesse uma divulgação positiva, sem que a vítima fosse prejudicada. “Deu para mostrar a gravidade sem expor ela, mesmo que ainda tivesse gente avacalhando com o processo. A união das meninas para divulgar a história sem dar tantos dados foi importante, só citando uma menina com tal idade e com tantos homens”, afirmou.
A universitária Larissa Paines Pestana, 21, reforça que não existe nada positivo em divulgar dados pessoais de vítimas de violência. Na avaliação dela, muitas pessoas compartilham esse tipo de notícia para mostrar para os amigos que ficou sabendo primeiro o que aconteceu. “É aquela história de que vi primeiro, estou dando o furo, e isso não ajuda a melhorar em nada esse quadro. A própria vítima pode ver essas mensagens e não vai se sentir melhor com isso, só piora a situação dela”.
Yorrana Della Costa, 21, nem quis ler as matérias sobre o assunto. "Me senti mal quando vi no Facebook as pessoas comentando o caso, nem quis ler as matérias. Poderia ser minha irmã, poderia ser eu", lembra.
Para ela, o feminismo é o responsável pela conscientização da proteção das vítimas, mas a exposição ainda é grande nas redes. "É um ponto positivo, sim, mas depende de quem você tem no seu Facebook. Vi pouquíssimas pessoas compartilhando isso com o intuito de manter a privacidade, a maioria mulheres. São as minas que entram no debate. Os homens parecem não querer entrar na discussão. São as mulheres que pedem privacidade".
Em todo Brasil, mulheres começaram mobilização imediatamente, organizando atos contra a cultura do estupro. Em Campo Grande, a ação será na próxima quinta-feira, às 15 horas, na Praça do Rádio Clube. O nome do ato já resume o espírito no momento: “Todas por Elas”.