Entre a dor e a raiva, automutilação veio para Chay como válvula de escape
As marcas nos pulsos mostram que a dor, muitas vezes, rasgou a alma. Aos 27 anos, a universitária Chay Coutinho aprendeu a falar sobre o assunto com naturalidade. A automutilação, que para ela funcionava como uma válvula de escape para a culpa e a raiva, deu lugar ao autoconhecimento e à autoaceitação.
O primeiro corte foi aos 15 anos, quando a depressão deu também os primeiros sinais. Mas foi aos 18, após a morte de um amigo e um relacionamento conturbado, que o médico deu o diagnóstico: "Transtorno de Personalidade Borderline". Foi aí que a depressão também veio com força total. "Eu não sei ao certo quando que me vi com depressão. Lembro vagamente de época que eu nem tomava banho e levantar da cama era um esforço enorme", recorda.
Toda a confusão patológica que perturbava os sentimentos de Chay sempre tinha um final, praticamente, já pré-estabelecido, a automutilação. Por muito tempo, assim foi a vida da estudante, entre altos e baixos que ela não conseguia esconder da família. "Minha mãe sempre soube, até porque alguns cortes eram na tentativa de suicídio. Outros eram automutilação mesmo, mas acabavam sendo mais profundos e eu tinha que ir ao médico, levar ponto, limpar, tomar vacina anti tétano", conta.
Chay também se lembra de quando a ficha dela caiu para a situação. "Eu tinha brigado aqui em casa, eu tava transtornada por alguma coisa, era tanta raiva... Raiva de mim, do mundo, sabe... Tranquei a porta e me cortei. E não parava de me cortar... Fui entender o que fiz quando minha mãe chegou com o pessoal do SAMU'.
Cada corte era feito por faca de cozinha ou lâmina de barbeador. "Era uma ação libertadora, me cortar para passar a dor na alma. Nas hora das crises, eu já tava sangrando por dentro. É um vazio tão imensurável que a única forma de me trazer pra realidade era sentindo a dor do corte", explica Chay.
O tempo e as cicatrizes trouxeram para a estudante a consciência de que a cura nada mais é do que ela aprender a lidar consigo mesma. "Hoje eu estou saindo de um quadro depressivo, que já é diferente do que era. Comecei terapias e a buscar ajuda aos 19, hoje as 27, ainda estou no processo de autoconhecimento. É essa a pegada. Autoconhecimento. Se aceitar".
Desabafos - Há menos de um ano, Chay começou a compartilhar nas redes sociais os desafios que enfrentava com a depressão. Em uma das postagens no Facebook, ela relatou sobre a automutilação e a surpresa foi positiva em relação à reação da família e dos amigos.
"Quando eu comecei a expor isso foi assustadoramente libertador. Eu vi um apoio de uma parte da família que eu jurava que iria me acusar, mas eu me senti bem acolhida. E desde o primeiro desabafo eu não parei mais. Tenho trocado a automutilação por desabafo em rede social", conta Chay.
Hoje, Chay ainda vive um processo que ela mesma avalia ser muito importante e cheio de aprendizado.
"Aprendi a comemorar cada conquista diária, levantar e escovar o dente, tomar banho, lavar um copo, uma roupa, cuidar do cabelo, ir à padaria. Coisas que para quem vê de fora pode parecer simples, mas quando a única coisa que se quer é dormir para sempre, conseguir essas pequenas coisas é uma vitória.
Estou no penúltimo semestre da faculdade de licenciatura em Ciências Biológicas, e a cada disciplina que passo, comemoro, pois sei o quanto eu me superei.
Aprendi que cada pessoa reage com a depressão de uma forma.
Aprendi a conhecer meus limites, a me dar tempos. Aprendi a permitir a queda, quando ela vem. É importante não tentar dar conta de tudo a todo tempo".