Família gastou tudo o que tinha para ver balé de Rian parar no Bolshoi
Apoiadores incondicionais, pais ajudaram o caçula a continuar nos passos de balé; dificuldades não faltaram
Quando o filho Rian da Silva Ribeiro entrou para o balé aos 6 anos de idade, os pais Célia e Sirval não imaginavam a transformação que ele iria causar na família. Não somente de quebrarem o tabu do menino ser um dançarino nessa arte clássica, mas de seguirem juntos o seu sonho de se tornar um bailarino profissional. Fãs incondicionais do caçula, até os outros três irmãos entraram na jogada e se emocionam sem um pingo de preconceito ao vê-lo em cima do palco.
Agora, aos 14 anos, Rian vive a oportunidade de integrar o corpo de alunos de uma das maiores escolas de balé do mundo: a Bolshoi, no município de Joinville, Santa Catarina – única filial da companhia russa no mundo. Para isso, foram necessárias três tentativas do garoto, além da família apostar todas as economias que tinham guardado nesses últimos anos para que ele continue praticando o talento para a dança.
"Não tínhamos dinheiro para uma nova passagem de avião, pois já havíamos gasto tudo quando Rian participou da fase final da seletiva, que foi presencial. Então, fomos eu e ele de mala e cuia para Joinville, isso no meu Corsa velhinho. Com o valor arrecadado por meio de uma rifa, consertei o carro e paguei todo o combustível. Ainda, Sirval teve que pedir dinheiro emprestado para os amigos que acompanham a jornada do nosso filho no balé desde o começo. Pegamos todas as nossas economias e investimos exclusivamente nele. Alugamos um apartamento, que só tinha o básico, geladeira, fogão, cama e colchão", detalha Célia Cristina da Silva Ribeiro, 49, professora convocada na rede municipal de Campo Grande e mãe do rapaz.
"Até hoje estamos pagando a passagem da seletiva. Mas posso dizer? Tudo isso valeu a pena principalmente por onde ele se encontra hoje. Dinheiro a gente trabalha para recolocar. O sonho dele não. E era para ser por agora mesmo, nessa loucura de pandemia e tudo. Com muito orgulho, seguimos em frente", afirma.
Foram três tentativas antes de chegar na Escola do Teatro Bolshoi no Brasil. A primeira, por inexperiência, ele não passou nem na primeira fase de audições aqui em Campo Grande. Na sequência, veio a de 2019, porém a família não tinha dinheiro para a passagem à Joinville e ficou por isso mesmo. Agora, em 2021, num montante de mais de 2 mil crianças, onde apenas 36 foram selecionadas de terem a chance da prova final. Dessas, só 6 conseguiram a sonhada vaga na escola – entre elas Rian, o único menino da turma.
E sobre exatamente essa questão – a dele ser bailarino –, a mãe garante que a família já está "calejada". "Quando ele iniciou as aulas de balé a convite de uma professora da Escola Municipal João Evangelista Vieira de Almeida, que o viu de vislumbre 'bisbilhotando' a atividade, confesso que tive muito receio por todo o preconceito envolvido. Tinha medo dele sofrer. Mas resolvi deixar rolar, afinal com o tempo ele iria crescer e resolver se era mesmo o que queria", recorda.
Foram 2 semanas engabelando o filho nas aulas de xadrez até ele realmente entrar para o balé. No início, quando tinha 6 para 7 anos de idade, foi difícil por ser o "chacota" da turma, o único menino a praticar a dança. "Mas foi aí que eu insisti: 'meu filho, se é balé que você realmente quer aprender, que gosta, então vamos fazer. Estarei sempre aqui de apoio quando precisar. Porém, ou você finge que não ouviu os comentários maldosos das outras crianças e faz a sua dança, vive o seu momento, ou vai continuar tristinho e borocoxô como agora'", relembra Célia.
Não é coisa de menina – "O mundo masculino da dança é muito maior do que se imagina, inclusive no balé", garante Rian. "Mas é o balé feminino que tem mais visibilidade pela tradição. Porém, se pararmos para ler a história, praticamente foram os homens que inventaram o gênero", diz.
Ele conta que justamente pelo motivo de ser um garoto a fazer balé já ouviu muito bullying, seja de crianças ou até mesmo adultos que olhavam torto. "Mas cada vez que recebia algo de ruim, eu me fortalecia porque sempre me dediquei bastante. É o que eu mais gosto de fazer", assegura o bailarino.
De um passatempo, os anos de prática e o talento natural fizeram surgir a ideia de se encaminhar para uma carreira profissional na dança. "O balé é uma questão que não vai mudar minha vida, mas já mudou. Até mesmo a dos meus pais e irmãos. Quero crescer na atividade, me empenhando cada vez mais. Torço para eu me tornar um grande solista algum dia".
Rapaz introvertido, é subindo nos palcos que Rian encontra seu próprio brilho. "Não posso vestir essa timidez que tenho. A dança é meu estado de espírito que sempre me acompanha. E lá, em cima do palco, é onde me sinto pleno. Dançar as coreografias é como se fosse uma atuação, com ritmo, música, dança… e que mexe com meus sentimentos. Ao ser aplaudido, é a melhor das sensações", admite.
A notícia de que entrou para o Bolshoi no Brasil veio a pouco menos de 1 mês atrás. Celular de Célia apitou enquanto dirigia, parou o carro para ver e recebeu o informativo. Quando chegou em casa, questionou o marido Sirval e desatou a chorar.
"Na hora eu me senti desacreditado. Nem imaginava que eu tinha essa capacidade toda. Depois, quando caiu a ficha, foi a maior felicidade que algum dia já tive. Minha mãe só chorava. Uma memória bonita que guardo no peito", relata Rian.
"Só de ver ele no palco já me arrepio. Sempre foi assim, tanto pra mim quanto Sirval. É uma coisa maravilhosa, nem os irmãos desmerecem o seu talento. Pelo contrário, veem o irmão com orgulho. Rian é o nosso maior bailarino", conta a mãe coruja.
O pai, que atualmente trabalha como garçom, ficou em Campo Grande para garantir o emprego. A mãe, no momento em trabalho remoto, ajudou Rian a se estabelecer em Joinville, que chegou há pouco mais de 1 semana. Porém, Célia precisa voltou à Capital para também assegurar seu ganha-pão. Mas como na família um ajuda o outro, vai ter um rodízio: o irmão Jarbas, de 21 anos, será o novo "acompanhante" do caçula. "Com as aulas virtuais na Universidade Federal de Santa Catarina, onde estudo, é melhor que fique no estado pois vai ser mais fácil ele voltar para Florianópolis, onde é campus, caso precise", explica.
Mesmo com as dificuldades financeiras, os pais de Rian sempre deram um jeitinho. Tanto é que ele tem muita a agradecer ao dois pela sua experiência de agora. Antes, entretanto, já havia participado de competições, fez viagens pelo Brasil e até para a Argentina. Vivendo na simplicidade, conseguiram todos juntos fazer o seu sonho acontecer.
"Como professora, eu sempre incentivei meus alunos a sonharem. Agora, seu eu chegasse em casa e fazer o contrário seria muito demagogia da minha parte. Então, eu insistia isso nele, de sonhar também. Via sua crença e amor pelo balé. E ele realmente merecia estudar no Bolshoi, até mesmo para saber se de fato é o futuro que deseja seguir. O importante é ele testar. Se ele quiser mais, não tem problema. Não se trata de um sonho 'perdido'. Vamos estar com ele do plano 'A' ao 'Z' até dar tudo certo", confirma a mãe.
Mas o filho sonha alto: "quem sabe ainda vou parar numa escola tão conhecida quanto a de agora ou numa companhia fora do Brasil. Penso em Europa, principalmente Londres, pisar nos palcos do Royal National Theatre. Quem sabe...", finaliza Rian.
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