Festa de Preto Velho é forma de amor e luta pela liberdade religiosa
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A noite reúne todos na varanda de casa. Com saias rodadas, turbantes e colares coloridos, adultos e jovens usam branco da cabeça aos pés. Em um sábado que seria mais uma noite de atendimento na Tenda de Umbanda Pai Joaquim, o rufar dos tambores e os cantos deixam claro que a noite é de celebração especial.
O convite estava aberto ao público no Facebook com título de "1ª Feijoada dos Pretos Velhos". O nome faz referência ao 13 de maio, Dia da Abolição da Escravatura, quando em 1888 foi assinada a Lei Áurea, que aboliu ''oficialmente'' a escravidão no Brasil. Mas ali ninguém voltou no contexto histórico para falar do sofrimento e da abolição.
Minutos antes do ritual começar, todo mundo está próximo, mas quase não dá para ouvir a conversa. Enquanto alguns estão arrumando o turbante, outros preparam detalhes da entidade, como a bengala, o fumo, cachimbo e chapéu de Preto Velho.
Margarida dos Santos, de 46 anos, é sacerdote e dona da casa onde trabalha espiritualmente na Tenda de Umbanda. Com espaço aberto há 25 anos, ela diz que a data é uma reflexão que vai além do período escravo. O evento foi criado para trazer a comunidade ao terreiro e mostrar a luta contra a intolerância religiosa.
"Nós viemos do lado negro, lembramos as pessoas de nosso passado e essa noite além de lembrar os Pretos Velhos, que foram escravos, queremos mostrar a importância da religião e acabar com todo esse preconceito. Acabar com as agressões e a falsa ideia que estamos aqui para o mal", explica Margarida.
A noite começa com cantos e danças, Margarida nos permite fotografar, mas com discrição para não incomodar caso alguém venha pela primeira vez à casa. Algumas cadeiras são organizadas em fileiras para quem vem de fora sentar. O público é pequeno e aparentemente, se sente à vontade na timidez.
A energia positiva surge através dos cantos, ninguém é obrigado a cantar, mas quem está ali entra no clima das palmas.
Margarida tem familiaridade com todos os gestos e rituais dentro da casa, mas sabe que é preciso enfrentar de cabeça erguida a resistência de quem vê tudo aquilo como "coisa do mal". "Já enfrentei muito preconceito. Tive que sair de outro lugar para não ser agredida pelos vizinhos. Por isso a data é tão importante para nossa liberdade religiosa. Quero ter a liberdade de sair na rua toda de branco, com meu colar no pescoço, considerando que isso é apenas a minha corrente", explica.
Quem chega próximo à entidade tira os sapatos para tomar um passe. A conversa é minuciosa e abafada pelas canções que chegam para saudar à Preto Velho, sua humildade e fé.
Nos fundos da casa, enquanto o trabalho acontece, é o carinho e sorriso que não saem do rosto de Aline Arcanjo Faria, de 34 anos, na produção da feijoada. O prato começou a ser preparado um dia antes. A receita é servida aos convidados no final da cerimônia para continuar a celebração com uma roda de samba.
"Em toda festa de Preto Velho me emociono, choro e me dedico, porque sou negra, umbandista e sei o que passamos. No momento em que eles chegam, nunca lembram do rancor e nem da maldade que viveram, mas chegam para trazer alegria. Então a data é importante para tentar levar isso à comunidade e acima de tudo amor, mostrando que nossa religião é também de prosperidade, fé e respeito a todas as pessoas", diz Aline.
Para lutar contra desigualdade e a intolerância, o jeito é tentar se aproximar com amor. "Tentamos trazer as pessoas para perto de nós, hoje desenvolvemos também um trabalho social e as mesmas pessoas que um dia jogaram pedras, são as que passaram a nos defender no bairro. Por isso acredito que para acabar com todo preconceito, só amor e fé são capazes de mostrar à humanidade que acreditamos no mesmo Deus, mas louvamos de um jeito diferente. Independente da religião, o Deus e o amor ao próximo é o mesmo".
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