Filho de capataz, Fábio morou na sala de aula e saiu da roça para virar juiz
Ele é natural de Chapadão do Sul e depois de conquistar a profissão que sonhava voltou à escola para agradecer
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De origem humilde, Fábio Francisco Esteves saiu da roça de Mato Grosso do Sul para conquistar o posto de juiz titular da vara criminal no Distrito Federal. Filho de capataz e de dona de casa, viveu parte da infância na fazenda Boa Vista, em Chapadão do Sul, a 335 quilômetros distantes de Campo Grande, e chegou a morar dentro da sala de aula para poder estudar.
Hoje, é o tipo de pessoa que inspira, pela determinação que o fez ir onde poucos com o passado dele conseguiram chegar. O motivo bem simples: José Virgílio, o pai. “Foram oito meses na escola da zona rural, ficava de segunda a sexta-feira. Meu pai achou mais tranquilo, para não ter risco de faltar. Meu pai era analfabeto, mas foi meu super-herói. Sempre incentivava a continuar os estudos”, lembra.
Na época, ele tinha dez anos de idade e estudava na quarta série do Ensino Fundamental. “Meu pai conversou com as duas professoras sobre eu e meus irmãos ficarmos lá e elas toparam na hora”, relata. “Tínhamos aula de manhã, brincávamos à tarde e à noite dormíamos. Era uma sala pequena, para poucos alunos, uns 40. A fazenda onde a gente morava, ficava a 23 quilômetros dessa escola e nos deslocávamos de trator ou cavalo”.
A escola atendia os filhos de fazendeiros e dos trabalhadores rurais e foi construída após reivindicação dos moradores da região. “Meu pai junto com a comunidade trabalhou na eleição do primeiro prefeito da cidade e depois pediram para fazer uma escolinha”, recorda Fábio.
Após terminar a quarta série, a família foi morar na cidade. “Como lá não tinha aula para alunos a partir da quinta série, meu pai quis mudar. Pouco tempo após a mudança, ele faleceu por conta de um ataque cardíaco e minha mãe começou a trabalhar”, recorda. A partir deste momento, a rotina de Fábio mudou.
Os irmãos só terminaram o Ensino Médio, mas ele sabia que precisa manter os estudos. O pai fazia questão de diploma, mas nem ele pensava que o filho iria tão longe. “Para meu pai isso era sagrado. Seu sonho era que eu fosse capataz de fazenda, porém, que tivesse uma formação em Agronomia ou técnico agrícola”.
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Aos 12 anos, Fábio passou em um processo seletivo do Banco do Brasil, onde trabalhou por seis anos. Quando completou 18, veio para Campo Grande com a ideia de ser juiz. “Prestei dois vestibulares, passei em Direito pela UEMS (Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul) de Paranaíba. Mudei-me novamente”, contou. “Porém, lá sempre foi difícil por questões políticas, falta de infraestrutura, nem prédio tinha, mas depois a faculdade foi se ajeitando. Quando terminei o curso em 2003, passei num concurso do Banco do Brasil e fui para Brasília”, completa.
A vida estava se estabilizando, mas Fábio manteve o objetivo de ser juiz. Estudou por mais três anos sem parar, até que o esforço foi compensado no concurso público em 2007. “Tinha 27 anos quando tomei posse”, disse. Para agradecer, voltou à escola em Chapadão e fez uma homenagem, colocando na fachada a mensagem: "Para a maior mãe do mundo, devolvo meu sonho realizado."
Atualmente, o juiz também é presidente da Amagis (Associação dos Magistrados do Distrito Federal) e já tem na história julgamentos de repercussão nacional, como a condenação do ex-dono da Gol Nenê Constantino.
Família e projetos - A mãe de Fábio, dona Rosa Vilma Esteves e seus dois irmãos, que pararam de estudar, continuam morando em Chapadão do Sul. Ele ainda tem uma irmã por parte de pai, mas não conviveu com ela. No entanto, o juiz sempre volta às raízes para visitar a família e recordar da origem humilde.
Já sabendo das dificuldades de chegar onde está, Fábio em parceria com um amigo da faculdade realiza o projeto “Falando Direito”, que é um programa pedagógico no qual ensina para a população carente os direitos básicos.
“A gente já formou mais de três mil alunos. Damos cursos, elaboramos materiais, fazemos guias para que eles entendam os direitos e as leis. Esse projeto começou em 2006, quando estudava para concurso, mas começamos a aplicar em 2010”.
Por ser negro, o juiz ainda enfrenta o preconceito com a cor da pele. “A questão racial é forte e enfrentei muito isso, até hoje, mesmo sendo juiz. Não muda. Vou continuar trabalhando para diminuir o preconceito racial, é uma luta”, destaca.