Foram 8 anos de depressão e várias tentativas até afirmar: "eu sou suicida"
"Eu sou suicida". A frase saiu na igreja, no meio do culto, quando o pastor perguntou qual mal a atormentava. Foram oito anos e meio de depressão e inúmeras tentativas de tirar a própria vida. Desde que os casos de suicídio passaram a ser notícia em Campo Grande e, cada vez com mais frequência, volta à mente de Rose duas coisas: o mal que ela também sentiu e o sentimento de que poderia ter ajudado.
"Não causa o mal que já causou antes, mas me lembra e você vê que já superou. Só me dá a sensação de que eu podia ter feito alguma coisa..."
Rosemarly Marques Silva Souza é funcionária pública, tem 36 anos. Tem filhos, marido, pais e uma família que passou anos sendo vigia 24h por dia. Porque em todas as vezes que ela tinha oportunidade, tentava acabar com o que já estava lhe consumindo por dentro. "A vida se torna uma tristeza, um sofrimento sem fim. Foi assim cheguei num ponto que eu falei 'não quero mais viver'."
Com o peso da depressão, ela conta que carregava um histórico desde os 17 anos. A primeira tentativa foi na adolescência, diante da separação dos pais, por medicamentos. À época, ela não contou a ninguém o que havia feito, passou por avaliações, "mascarou" o sentimento e seguiu a vida. Mais tarde, o problema voltou.
"Aí as pessoas perguntam como é que você chega nesse ponto? Eu acredito que são as questões internas não resolvidas ao longo da vida e chega um momento que, de repente, você passa a não suportar mais. Olha ao redor e é como se nada bastasse".
Rose conta que numa tarde, depois de chegar do trabalho, é que começou a pensar na morte, mais ou menos no início de 2000. A partir de então, nunca mais parou durante oito anos e tudo o que fazia era querer morrer. "Eu tentei em todas as oportunidades que tive, foram mais de 50 tentativas e de todas as formas: faca, medicação, enforcamento, me jogar da janela, do carro em movimento, na frente de carro..." Ao mesmo tempo, a família lutava com médicos, remédios e internações.
Em dezembro de 2007, quando ficou em coma, os familiares foram chamados e receberam uma espécie de ultimato. Pela Medicina poucas eram as chances, restava a fé. Ela sobreviveu e foi levada para o que mais temia: sessões de eletroconvulsão. "Eu tinha medo de chegar a essa ponto, resistia... Até hoje me dá arrepios de lembrar..."
A Rose antes da depressão pesava 58 quilos, os oito anos de doença a fizeram chegar aos 140. A última tentativa lhe deixou sequelas, a principal delas era a dificuldade de respirar por conta do pulmão, prejudicado pela medida que tomou.
Em junho do ano seguinte, a família a "carregou", à contragosto dela, para a igreja. "No culto, o pastor pediu que quem tivesse problemas de saúde que levantasse... E agora? O que eu ia falar? Eu disse 'sou suicida'". Foi a primeira vez que Rose fez a afirmação em voz alta. Era o resumo de tantos anos de depressão e de tantos comprimidos tomados diariamente.
Do outro lado, ouviu que aquilo era coisa do "capeta". "Eu fiquei muito brava, falei que ele não sabia o que estava dizendo, o que estava dentro de mim..." O mesmo pastor foi até a casa dela dois depois. A compaixão dele a abriu os olhos e o coração.
O Lado B não está sugerindo fé, Deus, ou religião como o caminho. Mas o relato dela dá conta de que foi através da oração, que ela passou a ver as cores que antes não via. "Eu passei a enxergar o verde das árvores, que antes não tinha cor. A vida para mim era cinza, preto, eu até me vestia assim... Foi ali a oportunidade que eu me dei".
Rose diz que as frustrações de não ter conseguido tirar a própria vida ficaram no passado. "É uma frustração, porque você tenta, tenta, tenta e não tem êxito. Mas vi que a gente tem um propósito na vida e que não era a minha vez de ir..."
A "retomada" da vida não foi fácil. Rose conta que foi pelo menos um ano para ter como companhia quem era apenas vigilante. Retomar a vida de mãe, filha e mulher levou tempo.
"A gente acha que assim, com o suicídio vai se livrar dos problemas e deixar as pessoas livres, mas na verdade a gente está sendo egoísta, mas só vê isso depois", reflete.
Rose faz acompanhamentos médicos até hoje. Fala da igreja como grupo de apoio e da fé que a moveu a ter força de vontade. "Não é para todo mundo, para alguns, a fé basta. Para mim, bastou".