Há 6 anos, Mikimba vive aventura de 1.200 km como médico no meio do Pantanal
Projeto leva atendimento médico, oftalmológico e odontológico à população do Pantanal da Nhecolandia e Paiaguas
Com esse sorrisão no rosto, o médico ortopedista e comentarista esportivo Jose Luiz Mikimba tem se arriscado a sair de sua zona de conforto há seis anos no projeto Médicos do Pantanal, conhecido também por Alma Pantaneira. Junto a outros profissionais da saúde, da Marinha Brasileira e dos Fuzileiros Navais, Mikimba percorre cerca de 1.200 km de Pantanal, da Nhecolandia e Paiaguas, de Corumbá até Cuiabá, atendendo 7 núcleos em região e fazendas previamente marcadas.
Sem receber nada em troca, além do carinho dos pacientes e das vivências por lá, José sente que ainda tem muito a contribuir com os outros. "São muitos anos de experiência na Medicina e acho que a minha geração sente essa necessidade de dividir e repassar o que sabe com a sociedade". Sobre essas aventuras anuais, Mikimba ocupa nosso Voz da Experiência de hoje:
"Eu me interessei pelo projeto assim que soube de sua existência por meio do médico idealizador e conhecido de longa data, Valdir Albanese. O Alma Pantaneira é coordenado pelo pai de Valdir, o Geraldo, e envolve toda a família deles, é muito interessante de se ver.
Pra explicar rapidamente, o projeto é uma espécie de Médico sem Fronteiras que atende nossa região. Pessoas que por dificuldade de acesso, por morarem muito no interior do Pantanal, só vão ao médico se, realmente, precisam. Mas os casos atendidos não se assemelham ao Médico Sem Fronteiras,já que tratamos geralmente de pessoas hipertensas, com contusões, artroses e artrites.
Vale dizer que, em minha opinião, o povo pantaneiro me parece muito forte. Pela sua alimentação mais tradicional, vivem sem grandes ocorrências grave de saúde. Mas quando eles são acometidos por alguma doença nem sempre buscam atendimento.
Em nível pessoal, eu já estava com vontade de me aventurar por novos desafios e o Alma Pantaneira, na minha concepção, é uma grande aventura com um propósito. Imagina só, vamos por terra em um Pantanal vasto como o nosso. Os carros atolam, o corpo se cansa, mas a troca sempre vale a pena.
Durante 10 dias, no mês de novembro, geralmente, mergulho junto a dentistas, mais outros dois médicos, farmacêuticos, enfermeiros e oftalmologistas nessa missão que é atender peões, crianças e quem quer que seja em postos de atendimento selecionados durante todo o ano. Cada voluntário se responsabiliza por seu carro então a aventura já começa por aí.
Quem nos chama são fazendeiros com propriedades no interior do Pantanal. Marcamos e divulgamos esses espaços, que nos oferecem um local para dormir e alimentação. Os pacientes moradores de casa região comparecem das mais diversas formas, seja de carroça, de caminhão, a cavalo, ou até mesmo a pé.
Como bom contador de histórias que sou, gosto de saber das lendas pantaneiras que os peões nos contam. Numa dessas expedições, soube que o pé grande, por exemplo, tem nome próprio no Pantanal, Mãozão. Diz a lenda que peões desaparecem capturados por ele e que é por meio do vento que se sente a sua presença. Quando encontram o funcionário, ele está vagando inconsciente. Os colegas precisam laçar o peão porque senão ele se nega a voltar pra fazenda. Fica três dias amarrado e, se sobreviver, volta com poderes curativos. E essa é uma verdade absoluta.
Falando nisso, eu já cheguei a escrever um livro sobre as histórias dos sacis pantaneiros. Tinha depoimentos de dona de fazenda narrando suas vivências, peões, crianças. Mas infelizmente roubaram meu computador e eu não havia feito o backup dos documentos.
Além das fazendas, um dos pontos de acolhimento é a Escola Santa Mônica, que fica no Pantanal de Corumbá. Ali um projeto incrível vem acontecendo há anos. Trata-se de um colégio em sistema de internato que atende 40 crianças. E lá tem todos os equipamentos necessários pra nossa equipe atender então, por isso, é ponto obrigatório sempre.
Chegar na Santa Mônica causa uma emoção tremenda porque as crianças se apresentam pra nós, com música e coreografias ensaiadas. Sempre nos recebem com sorrisos de orelha a orelha. A gente distribui brinquedos e acompanha o crescimento deles, uma oportunidade que só mesmo o Alma Pantaneira para oferecer.
Em cada local, disponibilizamos uma pequena farmácia, arrecadada pelos profissionais e pela organização do projeto. Os dentistas, por outro lado, levam centenas de kits de higiene bucal. Dessa forma esperamos que a população consiga manter o tratamento de forma mais simples. Claro que casos mais graves vão precisar de acompanhamento médico e isso é informado ao paciente.
Quando lidamos com emergências que necessitam urgentemente de um atendimento completo em um hospital a Marinha entra em campo, mais uma vez. Já aconteceu de um paciente precisar com urgência de exames complexos e eles pousaram um avião para leva-lo até a Santa Casa de Campo Grande.
Eu que sou nascido em Corumbá sempre tive uma curiosidade imensa de conhecer o Pantanal em seu interior, nas suas raízes. No Alma sem Fronteiras já foram feitos 16 mil atendimentos, então é uma correria que só.
Por dia andamos 1200 km em estradas de terra, com água que chega a ultrapassar a linha do motor do carro. Mas viver ali, mesmo que por pouco tempo, ver as corres, o visual e ouvir as histórias é gratificante demais para este corumbaense."