Há 61 anos, Charles é andarilho que deixa poesia e pintura onde passa

Aos 17 anos, Charles Soares, 77, sentiu o que ele denomina como um “chamado” para ser peregrino, e decidiu deixar o Uruguai para viajar o mundo apenas com as roupas do corpo e uma bolsa. Há 61 anos na estrada, ele é conhecido pelo Brasil a fora como Uruguaio Andarilho, e em sua jornada coleciona aprendizados, amizades e deixa sua marca com poesias e pinturas por onde passa.

Além das roupas do corpo, lenço na cabeça e do colar feito de ossos, ele carrega apenas uma bolsa, que diz ser seu bem mais precioso. Isso porque é dentro deste objeto que ele carrega uma bíblia, livro cujo qual faz questão de ler os versículos para quem cruza seu caminho.

Charles reconhece que a vida de um andarilho é sofrida, mas, mediante sua fé, diz crer em uma recompensa maior após terminar de cumprir com seu propósito na Terra. Nessa longa jornada, o homem já viveu de tudo, desde sentir sua presença indesejada nos lugares por conta de suas vestes a olhares tortos.

Mas no meio do caminho também conheceu gente que ele diz ter bom coração, que aceitou parar para ouvir o que ele tinha a dizer, além de oferecer água, comida, e em alguns casos estadia. Quando a equipe do Lado B encontrou o andarilho, ele estava em um bar, em um bairro na periferia de Campo Grande.

Ainda no Uruguai, Charles conta que frequentava a igreja católica, mas quando decidiu largar o endereço fixo para se tornar peregrino, abandonou dogmas e religiões, e passou a viver regido apenas pela bíblia.

O andarilho já esteve em diversos estados brasileiros, e já percorreu países como Argentina, Paraguai, Bolívia, Colômbia, Venezuela, Peru e Guiana Francesa. Ele tem uma filha de 34 anos que mora em Campo Grande, por isso visita a cidade com frequência. Pelos lugares onde andou, diz que já viu de tudo, desde hipocrisia, dor, sofrimento e alegria das pessoas, além de locais onde a vida não é tão fácil, citando o exemplo dos locais onde a seca castiga o povo nordestino.

“O homem faz plano, mas a última palavra sai da boca do Senhor. Eu fui entender isso depois, quando conheci a palavra. É uma vida muito sacrificada, você passa pelo deserto nordestino, onde não tem água, por exemplo. Mas diante dessa dificuldade, isso não é nada diante do que vamos receber depois”, conta Charles, sobre sua decisão de se tornar andarilho.

Sem acesso à tecnologia, ele não possui conta em redes sociais ou telefone para contato. Seu deslocamento entre uma cidade e outra depende de carona de caminhoneiros que ele fez amizade.  “Eles [caminhoneiros] se comunicam entre si para saber onde eu tô, postam minha foto nas redes sociais pra me acompanhar, e assim eles me acham e me dão carona”, explica.

Charles também escreve e pinta, e faz questão de deixar sua marca por onde passa. Exemplo disso são as paredes do bar onde ele ficou nos últimos meses. O que antes era sem cor, ganhou vida com a pintura de um tuiuiú e várias mensagens de amor, esperança e reflexões.

Apesar do tom poético, o andarilho não se intitula um poeta. Questionado de onde surge a inspiração para escrever, ele declara que “são pensamentos que vêm de Deus, que me dá criatividade para escrever”.

Charles finaliza dizendo que pretende partir dentro dos próximos dias. Para onde? Ele não sabe dizer. “Eu nunca sei quando vou, nem sei quando que eu saio. E não sei quando que eu vou chegar, porque o tempo é de Deus”.

As aventuras de Charles, assim como sua passagem por diversas cidades brasileiras, vez ou outra é documentada por caminhoneiros ou moradores locais, que publicam os vídeos no Youtube. Para ter acesso, basta digitar "Andarilho Uruguaio" na plataforma.

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