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Comportamento

Internada com covid, Isabel registrou em áudios cada lição aprendida

Escritora ficou dez dias internada com covid e durante esse tempo refletiu sobre empatia

Bárbara Cavalcanti | 21/05/2021 06:18

A escritora Isabel Fiorese ficou dez dias internada com covid no ano passado. Durante o período no hospital, ela refletiu muito sobre os porquês da vida e sobre quais lições de humanidade essa pandemia pode trazer, em meio a tanto sofrimento e isso virou um livro. Com o gravador, Isabel registrou todas as suas reflexões e garante que depois de ter sobrevivido, acredita mais do que nunca esse momento precisa servir de lição de empatia. Esse relato ela conta no Voz da Experiência.

Isabel decidiu juntar tudo o que vivenciou no hospital em um livro. (Foto: Raquel de Souza)
Isabel decidiu juntar tudo o que vivenciou no hospital em um livro. (Foto: Raquel de Souza)

“Eu estava em casa fazia um ano já, de isolamento. Eu fui uma das primeiras que entrou em isolamento, quando vi essa doença terrível se espalhar na Ásia e antes que o Governo mandasse, eu já estava em isolamento. Até com meu filho eu não encontrava, só poucas vezes. Mas meu marido não, ele sempre teve que trabalhar e ele teve uma Covid praticamente assintomática, foi só uma gripe leve e uma dor de garganta. Ele ficou três dias em casa, fez o teste que deu negativo e como se sentia melhor, continuou trabalhando. E depois, eu comecei com os sintomas e a coisa ganhou uma proporção altíssima. Na outra semana e eu já estava com uma pneumonia. As pessoas são contaminadas e reagem de maneiras muito diferentes. Eu fiquei em casa, esperando pra poder fazer o exame, fiz e deu falso negativo. Fiquei em casa como que com uma dengue. Quando fiz a tomografia, já estava com 60% do pulmão comprometido. Mas graças a deus meu organismo reagiu rápido e eu não precisei ir para a UTI. 

Fiquei dez dias internada. Lá dentro do hospital a gente não tem conhecimento do que vai acontecer com a gente. Os médicos não dão um prognóstico para você, se você vai melhorar, se você vai precisar intubar. Eles não sabem também, por ser uma doença muito desconhecida ainda. Então nesse tempo, eu fiquei pensando, acompanhando os profissionais de saúde, via aquele entra e sai, a dificuldade deles de falaram pra gente, se a gente ia melhorar ou não. Eu via outros pacientes saírem e irem para a UTI, serem intubados e depois não voltavam mais, via os enfermeiros sondando os corredores.

Eu pensei que eu precisava registrar isso, deixar essa parte da história, escrever um relato disso, já que eu estou vivendo, para a posteridade. Nossos netos e bisnetos precisam saber como a gente se sentiu. O doente quando sai do hospital, o cérebro, até por defesa própria, ele esquece um pouco. Então fui gravando áudios de tudo o que eu via, sentia e vivenciava. 

Quando saí, quis escrever um relato, escrever a minha história. Mas um amigo meu me deu um toque sobre registrar também o relato sobre pessoas que passaram por coisas até piores do que a minha experiência, além dos profissionais de saúde. Quero homenagear os profissionais de saúde e as pessoas que não sobreviveram, além de contar a história de outros sobreviventes. 

Quando comecei a recolher o relato das pessoas, não foi tão surpresa pra mim, afinal eu tinha vivido lá dentro do hospital. A surpresa maior foi reviver meu próprio relato. Foi o sentimento que a gente tem de solidão, de abandono, de não poder ver os parentes, de não saber como estão as pessoas aqui fora. A minha preocupação com a minha família, o sentimento de não saber como vai ser amanhã. E tudo isso tem nos outros relatos também, então só aí eu vi que eu não estava sozinha, todos comungavam dos mesmos sentimentos. Entre os relatos tem gente perdeu a família inteira. Então eu, por ter sobrevivido, acabei criando um sentimento muito grande de gratidão por eu não ter perdido ninguém, nem um parente próximo. E também por não ter sofrido tanto, com sequelas terríveis. 

Depois disso tudo continuo em isolamento. Por ser profissional aposentada da saúde, já tomei as duas doses da vacina, mas continuo em isolamento porque eu sei a dor que é e as sequelas que ficam, não é fácil não, não é para os fracos, então eu continuo em isolamento. Agora só fico em casa escrevendo. Eu não vivo necessariamente de uma forma mais otimista, não. Eu vejo muitas pessoas que pegaram essa doença e elas continuam a vida como antes, como se nada tivesse acontecido. Eu vejo alguns relatos na internet, eu vejo que as pessoas são violentas umas com as outras de forma gratuita. Mas eu acredito que passar por um susto desse tamanho para acordar que nós precisamos um do outro. 

Minha reflexão foi essa, durante esse tempo no hospital. O que isso veio de lição para a humanidade? Por que esse sofrimento? Então a conclusão que cheguei é que o planeta é um organismo vivo e que ele está reagindo contra todo mal que ainda existe na humanidade. Então as pessoas precisam aprender o que é empatia e o que é ser solidárias umas com as outras. O planeta ainda tem que cobrar muito para ficar inteiro, então acho que isso é uma reação. Esse é o meu pensamento, um tanto filosófico. Mas eu não tenho outra resposta. “Guerra das Centelhas” é um livro sobre os profissionais de saúde, pesquisadores, que lutaram na escuridão, sem saber como tratar essa doença e como criar um antídoto para salvar a humanidade. É a guerra deles contra a Covid”. 

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