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Comportamento

Jornal de fofoca para ‘cutucar’ até o povo de Corumbá já existia em 1882

Edições de "O Mephistopheles" tinham autor anônimo e objetivo era criticar os costumes e práticas da época

Por Aletheya Alves | 26/04/2024 06:35
Trecho do jornal "O Mephistopheles", divulgado em 1882, em Corumbá. (Foto: Acervo/Arquivo Nacional)
Trecho do jornal "O Mephistopheles", divulgado em 1882, em Corumbá. (Foto: Acervo/Arquivo Nacional)

Perfis nas redes sociais para fofocar sobre celebridades não faltam, mas imagine que em 1882, Corumbá já tinha um jornal específico para criticar e satirizar as pessoas da cidade. Para quem acompanha as produções de época da Netflix, essa é uma versão pantaneira de “Bridgerton”, série em que um integrante anônimo da sociedade britânica distribui um jornal para “cutucar” os integrantes da sociedade.

“Satyrico” e “Joco-serio”, é assim é que se apresentava o jornal “O Mephistopheles”. Guardado pelo acervo do Arquivo Nacional, o exemplar pantaneiro integra uma das poucas edições que estão disponíveis ao público e data de 1882.

Apesar de ser uma produção regional, há poucas informações divulgadas sobre a publicação. O que se sabe é que o autor era anônimo, mas tinha o mesmo editor de “O Iniciador”, o primeiro jornal de Corumbá.

Parte das edições foram encontradas e estão sob os cuidados do Arquivo Nacional. (Foto: Acervo/Arquivo Nacional)
Parte das edições foram encontradas e estão sob os cuidados do Arquivo Nacional. (Foto: Acervo/Arquivo Nacional)

Em 1877, quando foi lançado, o Iniciador tinha como proprietário e redator Silvestre Antunes Pereira Serra e seu editor era Manoel Antônio Guimarães, conforme escrito pelo professor aposentado Valmir Batista Corrêa, em um de seus artigos ao Jornal da Cidade Online.

Mas, antes de falar sobre o conteúdo das edições de Mephistopheles, seu nome também não foi escolhido sem motivos. Isso porque seu título se refere a um personagem da idade média, conhecido como uma das encarnações do mal, sendo aliado de Lúcifer.

Datada de dois de setembro de 1882, a primeira edição exibida pelo Arquivo Nacional se apresenta como uma retomada da publicação. Entretanto, não há registros anteriores a ele no acervo.

“[...] na missão de estudar os costumes, apreciar as virtudes e estigmatisar os erros e vicios, enraizados na bondosa população d’esta apreciabilissima parte do globo” [sic], introduz o autor do jornal na retomada das publicações.

No mesmo texto, ele diz saber que seu retorno será incômodo para algumas pessoas que avaliam “erroneamente” seus escritos. E, em sua defesa, garante que seus esforços eram para “alcançar a modificação de uns e reforma de outros costumes inconvenientes e que constituem um anacronismo do século 19”.

Seguindo com os cutucões, o escritor dizia que quem vivia “desassombrado” e tranquilo, iria receber suas edições com alegria.

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Exemplo de trechos do jornal, que se classificava como uma crítica à sociedade corumbaense. (Foto: Acervo/Arquivo Nacional)
Exemplo de trechos do jornal, que se classificava como uma crítica à sociedade corumbaense. (Foto: Acervo/Arquivo Nacional)

Após suas justificativas em relação ao retorno das publicações, o jornal era composto por pequenos textos que não costumavam identificar as pessoas pelos nomes. Devido a cidade ser pequena na época, quem vivia por ali deveria saber de quem se tratava a partir das situações e personagens narrados.

Entre os exemplos encontrados no jornal estão situações como depoimentos irônicos em julgamentos e práticas ilegais que eram de conhecimento geral. Em um de seus textos, ele escreve sobre um “criminoso” que foi audacioso durante seu julgamento.

Após o juiz apontar que todas as testemunhas estavam contra ele, o homem teria dito “que importa quatro pessoas me digam que viram (o crime), se eu posso citar quatro milhões delas que não viram?”.

Outra situação descrita pelo autor era de que muitos documentos eram furtados para que as investigações não pudessem continuar.

“Há alguns tipos que descobrirão que o melhor meio de defender-se consiste em furtar os autos; nem que há funcionários que cobram impostos e não entram com a importância para o respectivo cofre”, descreve o autor do jornal de críticas.

Parte do que é escrito em O Mephistopheles é possível de entender e imaginar as situações, mas devido à época e especificidades do texto, muito conteúdo parece não ter sentido. Isso ocorre pela falta de contexto, já que o objetivo do autor era criticar pessoas e situações específicas que ocorriam em Corumbá.

Além de O Mephistopheles, a cidade também teve outros jornais pequenos e pasquins, como O Calabrote, Athleta e Diabinho.

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